14 de agosto de 2017

O amor simplesmente transparece

Crônicas

Eu a vi chorando ao entrar no elevador. Um choro tranquilo, sereno, daqueles nos quais, por inocência, a gente acha que se esconde, mas, na verdade, transparece. E, pelo visto, cada lágrima que ela derramava ali transparecia amor.

Era amor quando ela tremeu os dedos ao apertar o botão do 3º andar. Era amor quando ela olhou ao redor e deu um sorrisinho de canto, como quem pede desculpas a si mesma por não ter ido além. Era amor quando ela tentou enxugar a lágrima antes que eu a visse escorrer pelo seu rosto. Era amor quando ela suspirou e, sem olhar para trás, saiu em silêncio.

Em poucos segundos, ela me mostrou mais sobre o amor do que tudo o que me disseram a vida inteira: o amor simplesmente transparece.

o amor simplesmente transparece - jessica vieira

Arte LINDA da @marquestalita <3

Transparece no choro contido pelo medo do que está por vir. Transparece no sorriso largo por saber – e sentir – que tem a melhor companhia do mundo. Transparece nas lembranças do passado e na vontade de estar junto no futuro. Transparece no abraço apertado, no beijo ardente, nas decisões de última hora e nas que marcam uma vida inteira.

Não tem jeito, o amor é mesmo assim. Por mais que a gente esconda, ele simplesmente transparece.

E que sorte a minha ter visto tanta transparência naquele elevador. Hoje, subo e desço andares com a impressão de que o amor pode estar logo ali, transparecendo a alma.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
07 de agosto de 2017

Em caso de despressurização no voo da vida, salve-se

Crônicas

Quando entramos num avião, somos lembrados de que “em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente,” devendo ser colocadas primeiramente em nós mesmos para, só depois, auxiliarmos quem está ao nosso lado.

Aparentemente, um plano de voo tão simples que nem damos a devida atenção, apenas rezamos – da origem ao destino – para que as benditas máscaras não caiam sobre nós.

Mas elas caem. Diariamente. Sem avisos, sem que as vejamos. Caem em todos os voos chamados “vida” e a regra de sobrevivência precisa continuar clara: “Em caso de despressurização, primeiro colocamos a nossa máscara. Depois, a dos outros”.

Eu demorei exatos oito anos, dois meses e seis dias para entender que não precisava ter colocado as máscaras de tanta gente antes da minha diante da “despressurização” que levou à morte do meu irmão. Tão acostumada a “ser exemplo”, achei que, naquele momento, tinha a obrigação de manter a calma e cuidar de todos para depois, quem sabe, cuidar de mim.

Mas não tinha. Nem que ser exemplo nem que priorizar a dor alheia, pois a dor, meus caros, é um sentimento solitário e a minha não era menor que a de ninguém.

em caso de despressurização

Não era menor que a dos meus pais, por terem perdido um filho; ou que a dos meus tios, por terem perdido um sobrinho. Tampouco era maior que a da minha cunhada, por ter perdido o então namorado; ou que a dos meus outros irmãos, por serem mais novos e terem convivido menos tempo com ele. Dores são dores e suas dimensões são incomparáveis.

Mas eu as comparei. E naquele momento, em vez de seguir as regras de sobrevivência, escolhi – sem qualquer dimensão – perder o meu ar aos pouquinhos para salvar uma tripulação inteira…

Fui perdendo o ar enquanto ficava acordada esperando minha mãe e os meus irmãos dormirem para, só então, pegar num sono de três, quatro horas e ter que me levantar para ir a um trabalho no qual as pessoas diziam que eu estava chegando atrasada por displicência. Afinal de contas, “oito dias é tempo mais que suficiente para retomar os trabalhos, pois perder um irmão não é como perder uma mãe”. Sim, eu tive que ouvir isso.

Fui perdendo o ar quando, ao chegar do trabalho, tinha a preocupação de ajudar na arrumação da mesa e de ter assuntos diversos para a hora tão difícil do almoço. A mesma mesa que meus irmãos e eu bagunçávamos – sem dó nem piedade – quando queríamos brincar de “casinha” na infância.  Era o nosso momento de união mais doce.

Fui perdendo o ar quando, em vez de dormir à tarde, resolvia ser fortaleza e ia organizar papéis, livros, roupas, arquivos digitais e inúmeros outros objetos do meu irmão. Quem já perdeu alguém querido sabe do que estou falando. Mexer em coisas pessoais, meus caros, é, de longe, a pior parte.

E, assim, fui perdendo o ar todas as vezes em que me achava forte e sufocava a minha dor na esperança ingênua de que ela sumisse… Só que a dor da perda nunca some. Assim como nós, ela muda de fase, percebe outras prioridades, amadurece e sai pra passear vestida com roupa leve, mas continua ciente da sua história.

O luto, por mais doloroso que seja, faz parte da vida. E essa vida continua. Sempre continua. O importante é viver a dor e ter ciência do peso dela em nosso coração, independente do peso que ela tenha para as outras pessoas.

Como diz a composição fantástica de Sérgio Britto, “Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração…”

Perder uma mãe ou um pai não dói mais ou menos. Perder um filho não dói mais ou menos. Perder um irmão, um namorado, um amigo ou qualquer outra pessoa especial não dói mais ou menos. Em caso de despressurização no voo da vida, apenas dói e nos falta ar.

E eu ainda perco o meu quando lembro que subestimei a minha dor e me guiei pela fortaleza que acreditava ser e não era. Aliás, ser fortaleza por fora num momento de dor só nos desmorona por dentro. Só nos tira o ar.

Por isso, em caso de despressurização, não ouse infringir a regra: salve-se primeiro. A tripulação inteira seguirá melhor assim.

 

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
29 de junho de 2017

Sobre estar disposto a ser quem você é de verdade

Crônicas

Era junho de 2014, mas lembro-me como se fosse hoje. No meio de uma discussão fervorosa no WhatsApp, um colega soltou as seguintes palavras sem a menor cerimônia: “Eu odeio esse seu jeito comunicativo e verdadeiro de ser. Não gosto mesmo e não estou disposto a gostar.”

Aquilo me paralisou e me deixou triste por uns três meses. Eu não conseguia responder um e-mail, uma mensagem, um telefonema sequer de forma natural. Bastava o telefone tocar que eu entrava em pânico. Pânico mesmo! Logo eu, a comunicação em pessoa…

Até que, num belo dia, cruzei com um amigo super querido que fez questão de me lembrar: “Nunca mais conversamos, né?! Amo ouvir suas histórias e ver esse seu jeito todo empolgado de contar as coisas. É tão você!”.

Como as palavras têm poder… 

Eu realmente sou – e sempre fui – essa pessoa comunicativa demais, que se empolga ao contar qualquer bobagem que me traga felicidade. E ser diferente estava me causando sofrimento… Assim, foi exatamente naquele encontro com o meu amigo que recobrei os sentidos e entendi que quem precisa estar disposto a gostar do nosso jeito de ser somos nós mesmos e mais ninguém!

estar disposto - crônica

Imagem: Shutterstock

Claro que, muitas vezes, a opinião do outro é importante, mas essa opinião deve servir para proporcionar novos olhares sobre a nossa verdadeira essência e não para nos moldar atendendo a uma necessidade que não é nossa.

Ser quem somos nunca é – e nunca será – um defeito. Não é algo que precisa ser mudado para agradar o outro ou fazê-lo ter disposição para estar ao nosso lado. Ser quem somos é o melhor que podemos oferecer. A nós mesmos e a quem queremos ao nosso lado.

Talvez, o carinha de três anos atrás nem tenha escrito aquelas palavras por mal ou também o meu amigo querido nem goste taaaanto assim do meu jeito de ser, vai saber… Mas não é isso o que importa. O importante mesmo é a possibilidade de cada um de nós se reconhecer naquilo que é de verdade, sem esforços, sem filtros, sem máscaras.

Se a sua timidez vem da alma, não há nada de errado em ficar com as bochechas vermelhas e se atrapalhar um pouquinho na hora de conversar com alguém. Se você não enxerga nenhum talento para repetir a coreografia de uma dança, saiba que não há qualquer problema em ter um ritmo só seu. Se pensar em cuidar de cachorros te dá uma aflição eterna, isso não faz de você um ser insensível. Se o seu silêncio for a resposta mais sincera que puder dar a alguém, tudo bem também… É só você sendo você, como sempre deve ser.

De resto, cada um que cuide – e se cure – das suas indisposições.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira