16 de janeiro de 2017

Por favor, não feche a boca! – Um grito para subir na balança em paz

Crônicas

Sempre fui uma criança/adolescente/adulta magra. Sempre. Demorei 32 anos da minha vida para chegar aos 50 kg e, finalmente, sair do manequim 34 para o 36. Quem me conhece sabe que esses números nunca tiveram relação com dieta. Pelo contrário. Nunca me privei de uma massa ou um docinho sequer. Comer bem é algo que me deixa muito, muito feliz, obrigada!

Não engordando um grama sequer, não foram poucos os familiares e/ou conhecidos que me fizeram mil recomendações de remédios, suplementos e afins. Tudo para que eu “ganhasse uns quilinhos” e deixasse de ser “magra de ruim”.

Depois dos 30, naturalmente, ganhei dois. Agora, aos 50 kg, estou apta a doar sangue e, pasmem, apta também a ser pauta de uma loucura chamada cobrança pelo emagrecimento porque “depois dos 50 kg, nunca mais você voltará a ser como antes. Melhor fechar a boca porque já está ficando gordinha”

não feche a boca

Foi o que ouvi, incrédula, de uma colega há umas duas semanas e foi o momento exato em que – ainda que minimamente – comecei  a entender o sofrimento e a revolta de muitas meninas que, por não se encaixarem num padrão de corpo absolutamente tortuoso de ser mantido (que é um manequim 38), são tratadas como negligentes pelos conhecidos e como extraterrestres no mundo da moda.

Digo que comecei a entender minimamente porque usando um manequim 34 e tendo uma lista decorada de uns dez remédios e suplementos para engordar, é óbvio que jamais conseguiria perceber isso. É uma questão de representatividade. Enquanto não se é minimamente cobrada por isso, todo grito de desespero é ouvido de longe, baixinho.

Cansei de ler e de ouvir relatos de colegas que enumeravam facilmente situações nas quais se sentiam impotentes diante das cobranças por um corpo de capa de revista. Por vezes, achei que fosse exagero, juro, mas era inocência. Eu as via tão lindas, cheias saúde e com tanta bagagem a oferecer para o mundo que ficava me perguntando quem era desocupado o suficiente para cobrar de alguém um guarda-roupa cheio de blusa tamanho P e calças tamanho 38. Até que achei a resposta.

As pessoas não estão preocupadas se o seu peso é uma questão de saúde ou de doença. Ninguém te sugere emagrecer por zelo, cuidado ou atenção. Se assim fosse, seriam as primeiras a te acompanharem ao médico, ao psicólogo ou ao nutricionista. Na verdade, as pessoas querem que você seja o espelho das frustrações delas. Apenas isso.

Estão de mal com a vida e dizem que “você tem um rosto lindo, só precisava perder uns quilinhos”. Estão com o coração partido e dizem que “se você não se cuidar, vai perder o marido”. Estão desgostosas do trabalho e, na primeira oportunidade, soltam um “nossa, você precisa usar seu tempo livre para entrar numa academia”. As pessoas dizem, com convicção, que você está engordando porque não se cuida. Como se cuidar do corpo fosse, essencialmente, manter-se magro…

Até quando?

As pessoas querem que você engorde para ficar “no padrão” e querem que você emagreça quando alcançá-lo. As pessoas querem que você feche a boca não para parar de comer, mas para não questionar as inseguranças delas.

Então não pese as calorias das palavras, abra a boca! Para que a deixem subir na balança em paz, para que não lhe perguntem quanto você veste, para que não te repartam em duas, dizendo que você tem um rosto tão bonito e que só precisava emagrecer, para que não criem as regras para um corpo que é seu. Seu. E de mais ninguém.

O peso das insatisfações tem que doer as costas de quem as tem, pois o  manequim de quem é leve nunca pesa.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
07 de novembro de 2016

O que te faz sorrir por dentro?

Crônicas

Uma amiga me disse que adora me ver comendo caranguejo porque é quando eu mais sorrio por dentro. Dei risada. Por fora, claro, pois por dentro estava gargalhando. Afinal de contas, comer caranguejo é mesmo uma felicidade sem tamanho.

Dali então fiquei pensando: quando é que a gente, de tão feliz, transparece sorrir por dentro?

sorrir por dentro

Imagem: Shoestock

Além do caranguejo, sorrio por dentro diante de batata frita, de panetone e de  camarão. Com pizza também dou uma risadinha, de leve, mais aí vai depender do sabor.

Sorrio por dentro quando sinto o cheiro da chuva e quando vejo o pôr do sol. Quando ouço o canto de passarinhos, “Felicidade”, do Lupicínio Rodrigues; “Hey, Jude”, dos Beatles; “My girl”, do The Temptations e “Tema de amor”, da Marisa Monte. Um sorriso tão grande que transborda em lágrimas.

Sorrio por dentro quando termino de ler um livro, de arrumar a casa, de fazer uma sobremesa ou de escrever uma carta. Sorrio por dentro quando a luz acaba, sem hora pra voltar. E, claro, também sorrio por dentro quando ela volta.

Sorrio por dentro quando entro num avião e quando chego ao destino que escolhi com tanto carinho. Mas sorrio mesmo quando volto pra casa e, da minha cama, começo a planejar as próximas aventuras.

Sorrio por dentro quando vejo fotos antigas, quando a peça que namorei por meses entra em liquidação, quando alguém elogia um texto meu e quando, inesperadamente, encontro uma pessoa querida que não vejo há anos!

Sorrio por dentro quando saio do médico com um “está tudo em ordem”, quando a terapeuta diz que evoluí bastante e quando encontro um dinheirinho “perdido” no bolso da calça. Neste caso, sorrio e gasto o dinheiro na mesma hora. Não é contraindicado para ninguém sorrir por dentro duas vezes seguidas, tá?

Sorrio por dentro quando vejo o reconhecimento merecido de um amigo, quando me convidam para um casamento, uma formatura ou um aniversário. Aliás, é só falar em aniversário que todos os meus órgãos cantam parabéns de sorriso aberto!

Sorrio por dentro quando passo a mão nos cabelos do meu pai, quando minha mãe me abraça e quando meu namorado encosta o pé no meu no meio da noite. Sorrio por dentro quando me oferecem a mão para atravessar a rua e quando me oferecem passatempo recheado.

Sorrio por dentro quando fico pronta antes do combinado, quando chego na parada e o ônibus ainda não passou, quando lembro que escondi um docinho na geladeira (e vejo que ainda está lá) e quando sinto o cheiro do meu perfume favorito.

Sorrir por dentro diante de pequenos detalhes. Acho que é esse o verdadeiro motivo da felicidade. Mas preciso concordar: eu sorrio muito mesmo por dentro quando como caranguejo… ♥

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
05 de outubro de 2016

Quatro de outubro ou o dia em que eu nasci de novo

Crônicas

Quando fecho os olhos, ainda consigo ver o cavalo correndo a todo vapor. Naquele milésimo de segundo de ontem, quatro de outubro, enquanto colocava as mãos no rosto e inclinava o corpo para a direita, meu único pensamento foi: “Meu Deus, vamos morrer!”

O barulho da batida foi rápido demais e, ao mesmo tempo, ensurdecedor. Depois, fez-se um silêncio inexplicável. Abri os olhos e, sentindo os estilhaços do vidro pelo corpo, vi as luzes dos outros carros na estrada. Imediatamente pensei: “Estou viva! Meu Deus, estou viva!”

Mas ter a minha vida de volta, definitivamente, não era o bastante. Eu queria olhar para o lado e encontrar o meu namorado vivo, bem, como dois, três segundos atrás. Senti tanto, tanto, tanto medo. Um medo que jamais pude imaginad e que só passou quando ouvi um “Amor, tá tudo bem?”. Encho os olhos de lágrima só em lembrar... “Acho que sim.”

Do lado de dentro, o conforto e a certeza de que estávamos vivos. Do lado de fora, muita solidariedade. Dos transeuntes, dos policiais, dos socorristas…

Queria sair do carro, mas não antes de avisar ao meu pai sobre o acidente. Não antes de explicar onde estava e o que tinnha acontecido. Não antes de verbalizar para alguém da minha confiança que Marcilio e eu estávamos bem e… vivos.

Vivos! E eu nunca fui tão feliz em constatar e escrever isso. Nunca fui tão feliz em perceber que as coisas mais importantes da vida não são coisas…

A Deus, muito, muito, muito obrigada pela vida. A de antes e a de agora.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira