09 de maio de 2017

Renúncias internas e o medo de nada voltar a ser como antes

Crônicas

Em roda de amigos, vejo muita gente falando sobre renúncias diante de uma possível – ou concreta – ma(pa)ternidade, ressaltando os medos de “tudo mudar e nada voltar a ser como antes”. Mas acho engraçado que pouco – ou nada – se fala sobre as renúncias que a própria vida nos exige quando decidimos entrar num relacionamento.

E não, não me refiro a deixar de sair com amigos, de viajar ou ir a festas sozinho, de passar uma tarde inteira fazendo seu programa favorito ou algo assim (aliás, nunca renuncie individualidade, pelo amor de Deus!), mas a renúncias internas que precisam – e devem – ser feitas para que possamos receber, com dignidade, qualquer pessoa além de nós mesmos.

renúncias - deixemecontar

Imagem: Shutterstock

Comecemos pelo ócio, nem sempre criativo.

Quando estamos numa fase “no date”, por exemplo, fazemos nossos horários livres como bem entendemos. Mas basta dizermos “sim” para um pedido de namoro que tudo muda. Aquele sábado à tarde, que antes era de pijama na cama, leitura prazerosa, fases de videogame ou faxina no quarto ao som da sua música favorita, vira um cronômetro acelerado porque “sábado é dia de sair com o (a) namorado (a)” e você tem que deixar tudo pronto antes das 17h para conseguir se arrumar com a calma e a paciência dos apaixonados.

Lembrando que, no dia seguinte, tem que fazer as obrigações/vontades do dia e as que deixou de fazer no dia anterior…

Olhando assim, diante de um exemplo trivial, parece fácil, simples, mas não é. O tempo que, por anos, você decidiu ser só seu passa a ser ajustado em função de outra pessoa, igualmente adulta, que, olhe só, tem as mesmíssimas questões, que você, ou seja, relacionamentos em si já começam com renúncias internas.

E elas prosseguem nos pequenos detalhes. Quantas vezes não nos pegamos num embate entre um risoto de camarão e um filé com fritas, ambos para dois? Aliás, tem afronta maior à individualidade do que  prato “para dois”?  Acho que só tomar o mesmo suco, no mesmo copo, “de canudinho”, mas aí, pelo amor de Deus, é demais, né? #meusucominhasregras

Continuando…

Quantas vezes nos vimos dizendo não ao (maravilhoso!) Carnaval de Salvador só pra ver, ao som de frevo pernambucano, aquele brilho no olhar de quem se ama?

E quando um quer férias de verão e o outro de inverno? E quando um está exausto na metade da balada e o outro quer sair no lixo? E quando um tem que estar de pé às 5h da matina, mas passou a noite anterior acordado porque o outro estava doente? E quando um quer fazer amor tranquilinho e o outro quer uma trepada a la Kama Sutra?

Relacionamentos exigem que se olhe além. Do próprio umbigo, das próprias manias, das próprias vontades. É renunciar um pouco de si para aceitar um pouco do outro.

“É por essas e outras que tenho um gato/cachorro/planta!” É mesmo? Quantas vezes você se viu doidinho por ter que viajar de última hora e não ter com quem deixar o seu bichinho de estimação? Ou teve que faltar a um compromisso para levá-lo ao veterinário? Quantas vezes teve que acordar mais cedo para regar as plantinhas? Ou limpar toda a varanda cheia de folhas caídas?

Desde que você escolhe – e se permite – olhar além de você, “tudo muda e nada volta a ser como antes”. Não é a ma(pa)ternidade. É a lei da maturidade, do tempo, da vida. E ela acontece o tempo todo, você sendo mãe, pai ou não.

Numa roda de amigos, não culpe filhos. Seja honesto consigo mesmo e admita que o que você não quer, na verdade, é renunciar ainda mais.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
24 de abril de 2017

Sobre festejar a vida como as crianças de cinco anos

Crônicas

Tenho um amigo que diz não saber onde arranjo tanta empolgação para comemorar o meu aniversário (que foi sábado, dia 22). “Só você e as crianças de cinco anos esperam tantos dias para um bolinho, umas velas e parabéns. Nunca vi!”, ele brinca.

Sinceramente? Acho essa comparação de um elogio incrível. Por mais que 28 anos nos separem no calendário (e nos séculos! hahaha), as crianças de cinco anos e eu acabamos nos encontrando – radiantes – na difícil tarefa de festejar a vida apesar de.

festejar a vida - foto em que minha mão direita aparece segurando seis balões num céu azul claro

Apesar de não podermos fazer tudo o que queremos, de não termos ganhado o presente dos sonhos, de não termos todos os coleguinhas reunidos, de termos nos machucado na véspera, de termos ficado em casa quando a vontade era de viajar para um lugar extraordinário, de não termos um irmãozinho ou um dos pais por perto… Apesar de qualquer coisa que possa nos entristecer, no dia do nosso aniversário acontece uma verdadeira mágica: festejamos!

Festejamos um dia todinho nosso, as ligações, os paparicos, os abraços apertados, os presentes e, óbvio, o bolo com as velas e os parabéns!!! Alguém consegue mesmo ser feliz sem isso? Nunca vi!

Mas, ao longo dos anos, também aprendemos a festejar a vida exatamente como ela é. Cheia de alegrias e comemorações, mas também cheia de tropeços e novas tentativas que começam a acontecer com todos um pouco depois das cinco primaveras… Viver é isso.

Viver é vai e vem. É sobe e desce. É estica e puxa. É cair e levantar para a próxima. E que graça teria passar por tantas turbulências sem festejar a vida? Pedindo saúde, amor, paz, prosperidade, viagens inesquecíveis, abraços apertados, presentes dados com carinho…

Definitivamente, chego aos 33 no time das crianças de cinco anos. E o meu maior desejo, de verdade, é conseguir acompanhá-las com essa empolgação até o fim, que eu espero demorar muito pra chegar, claro.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
09 de março de 2017

E se você tivesse que dizer quem é numa única foto?

Crônicas

Quarta-feira à tarde, cheguei do trabalho super cansada e resolvi tirar um breve cochilo no sofá. O que me parecia uma alternativa de descanso, no entanto, tem me deixado eufórica até agora. Eu sonhei que estava conversando com Deus. Sim, com Deus.

Era uma sala de espera e alguém me dizia que eu tinha uma hora para falar com ele. Mal criada, já fui logo dizendo que era muito pouco tempo, uma vez que eu tinha “muita coisa importante para resolver”. (Foi só um sonho, eu sei, mas até agora estou profundamente envergonhada de ter respondido dessa forma…).

“Neste momento, que tem que resolver coisas com você é ele”, disse a pessoa de cuja fisionomia não me recordo.

Gelei. E ainda gelo só de relembrar. Seria Deus querendo me avisar quando eu partiria dessa para (?) melhor? “Não quero saber. Não quero saber. Não quero sabeeeeer!”

Entro na sala. Não vejo ninguém, mas percebo que todas, TODAS,  as minhas fotos estão espalhadas numa mesa super gigante. De repente, ouço uma voz atrás de mim:  “Se você tivesse que dizer quem é numa única foto sua, qual delas escolheria?”

Não pensei duas vezes em escolher esta:

jessica vieira - deixemecontar

Junho de 1986 – eu, aos dois anos de idade

Nunca soube explicar, mas dentre todas as fotos da minha existência essa é a que me deixa mais feliz. É  a primeira que mostro quando alguém me pede para ver meu álbum de infância, sabe?

É para ela que olho quando estou triste, quando estou com saudade de algo ou quando estou muito, muito feliz. É ela que mais conversa comigo. É ela que me remete a uma felicidade genuína, com tão pouco. É para ela que olho quando penso, ainda que por um segundo, em desistir de algo. É ela que enche o meu dia de ternura e vontade de viver ainda mais. ♥

Ouvi uma risada fraternal e, logo em seguida, uma próxima pergunta. “Agora, mostre a foto que te traz uma lembrança inesquecível”.

Sorri sozinha e lhe mostrei a foto da primeira vez em que vi a neve:

valle nevado e farellones

Senti uma mão na minha cabeça e, por alguns segundos, um silêncio. Em seguida, “Você consegue enxergar que são duas fotos idênticas? Aconteça o que acontecer, é nelas que você precisa acreditar. Nelas.”

Acordei  e fiquei incrédula. Só conseguia pensar que havia sonhado com Deus. Sei que muita gente não acredita. Sei que “Freud explica”. Sei que pode ter sido um acúmulo de sensações do meu dia cheio. Sei que pode ter sido uma necessidade minha de verbalizar, em sonho, algo que tem mexido bastante comigo… Sei de tudo isso.

E sei também que o espaço entre as duas fotos nunca mudou a minha vontade genuína de realizar sonhos. É neles que eu verdadeiramente acredito. :)

E se você tivesse que dizer quem é numa única foto, qual ela seria?

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira