07 de janeiro de 2016

A praia é um espaço para todos

Crônicas

É só o verão chegar para que, com ele, venham os incontáveis projetos para um corpo midiaticamente perfeito: pele bronzeada, barriga tanquinho, pernas torneadas, bunda empinada e, claro, a marquinha do biquíni.

Tudo isso atrelado à crença de que, na praia, só há espaço para quem tenha atingido tal meta e aos – muitos – comentários ofensivos aplicados àqueles que não as tenham alcançado. Um equívoco de ambas as partes, pois a praia é um espaço para todos.

a praia é um lugar para todos

Imagem: Pinterest

Aliás, poucos espaços são tão democráticos quanto uma praia. Pode-se ir a pé, de ônibus, de carro e até mesmo de avião. Pode-se comer na barraca da orla, comprar algo com um ambulante ou até mesmo levar comida de casa. Pode-se deitar na areia, ler um livro, praticar esporte ou ficar apenas observando o mar. Pode-se ir de calça, de short, de saia, de roupa de banho ou vestida de noiva. Podem ir animais. bebês, crianças, jovens, adultos e idosos. Podem ir autistas, cadeirantes, cegos e surdos. Podem ir altos, magros, baixos e gordos. Não custa nada, apenas a vontade de estar lá!

Mas há quem não tenha qualquer vontade, nem para a praia nem para a vida. E, para preencher as faltas existentes, perde tempo julgando a barriguinha, as celulites, as estrias e – pasmem – até os modelos da sunga ou do biquíni alheios. Mal sabe ele que a sua “barriguinha” reflete o quão gostosa é aquela cerveja gelada que só a barraca da praia oferece; que as suas celulites são marcas registradas do tempo passado numa cadeira de escritório para pagar as contas; que as suas estrias são um reflexo literal do seu crescimento e que o modelo da sua roupa de banho é o que te deixa mais feliz.

Faça um teste. Observe com atenção as pessoas que tecem ou compartilham comentários maldosos sobre o corpo de alguém que está na praia. Qual foi a última vez que elas mergulharam no mar ou caminharam pela areia? Quando expuseram a sua felicidade em sungas, shorts, maiôs ou biquínis? Quando usaram seu tempo para cuidar da própria vida em vez de criticar o corpo alheio?

Privar-se da liberdade de um banho de mar, de uma caminhada na areia ou até mesmo de uma ida ao calçadão porque há quem julgue a idade, o tamanho ou a “textura” do seu corpo é entregar nas mãos de outra pessoa o direito que lhe assiste de ser feliz.

O mar poderia estar só para peixe, mas está para todos. Então, no próximo fim de semana, vá à praia. Lave o corpo, a alma e se liberte de quem fica guardando a vontade de ser feliz.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
24 de agosto de 2015

Sobre o tempo que não nos damos

Crônicas

Eu estava na fila da farmácia quando ouvi a mocinha justificar ao telefone sua ausência na festa de setenta anos da avó: “Mil desculpas, mas eu estava mesmo sem tempo. Se der, prometo que passo aí essa semana.”

Poderia mentir e lhes dizer que não escuto a conversa alheia, mas escuto. Todo mundo escuta. Principalmente se for algo dito em alto e bom som. E, convenhamos, o que não falta por aí é som nas conversas ao telefone…

“Mas, com o tempo, as coisas vão melhorar e eu vou ficar mais livre”, disse a menina ao terminar a conversa.

E dizemos todos nós, em diversas conversas, diariamente. Reclamamos que não nos sobra tempo e, ao mesmo tempo, acreditamos ser ele o grande responsável pela resolução dos nossos problemas. Tempo, um administrador perfeito. Só que não.

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Não podemos exigir do tempo algo que só cabe a nós mesmos administrar: o tempo que não nos damos.

Não nos damos tempo para estarmos com a família ou com os amigos, mas reclamamos que eles parecem meio distantes. Não nos damos tempo para o lazer, a diversão e a conversa jogada fora, mas reclamamos do cansaço dos nossos corpos. Não nos damos tempo para o amor, mas reclamamos que ele está escasso…

Não nos damos tempo para repararmos brigas, danos ou mal entendidos. Não nos damos tempo para ouvirmos o outro. Não nos damos tempo sequer para ouvirmos a nós mesmos. Não nos damos tempo nem para sabermos o tempo que temos. Quando temos tempo, claro.

E se não o temos, não devemos culpá-lo. Afinal de contas, ele continua o mesmo. Nossas prioridades é que mudaram.

A menina da farmácia pode ter priorizado o emprego, a faculdade, um encontro com a melhor amiga ou com o namorado. Pode ter priorizado uma enxaqueca, a vontade de voltar para casa ou de querer ficar sozinha. Pode ter priorizado se afogar em lágrimas ou num porre homérico. Pode ter priorizado o sono. Vai saber?!

Prioridades, tempo que nos damos. De resto, nada podemos reclamar.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
10 de agosto de 2015

Sobre namoros impedidos de liberdade

Crônicas

Mês passado, chamei uma amiga para ir ao cinema. Fazia algum tempo que não nos víamos e eu estava com saudades da alegria e da espontaneidade que só ela tinha ao sair do cinema. Após dois segundos de silêncio ao telefone, ela me responde meio sem jeito: “Vou ver com Fulano. Se ele quiser ir, eu vou”.

Não precisa ser mestre em análise do discurso para entender essa frase, mas de toda forma vou esmiuçá-la. Ao fazer um convite a alguém, você espera duas respostas, sim ou não. A negativa, contudo, pode ser justificada. O que não se espera é que a sua resposta dependa da vontade de uma terceira pessoa, sendo você maior de idade e capaz. A frase foi clara: ela só iria se Fulano quisesse ir e Fulano, que eu nunca vi, obviamente, não foi convidado.

Perguntei se ela só iria se ele fosse e, como resposta, “É que ele não gosta que eu saia só, Jéssica. Você precisa entender…”

Impossível.

Poderia ser somente ela, mas conheço inúmeras pessoas assim. Pessoas que deixam suas próprias vontades nas mãos de outras. Pessoas que amavam fazer determinadas coisas e que, ao entrarem num relacionamento, mal dão um passo desacompanhadas porque o outro não quer ou não gosta. Pessoas que precisam comunicar – e aguardar permissão – para ganharem nada menos do que aquilo que passaram a vida tentando conseguir: liberdade.

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Ilustração: Lidia Puspita

Não sei se foram as decepções de muitos amigos ou a minha personalidade forte, mas o fato é que, para mim, namoro é a união de duas pessoas diferentes que se unem por um sentimento comum: o amor.

Conceito romântico e ultrapassado? Talvez. Mas não mais que se colocar como marionete perante o outro. Sim, porque o outro não pode ser culpado sozinho. Tudo o que ele faz é consequência das portas entreabertas que alguém deixou. E se deixou, meu bem, uma hora a poeira vai entrar.

Vai entrar para diminuir, ofuscar ou amedrontar. Vai entrar levando inseguranças, afastando vontades, motivações, prazeres e amizades. Quando você menos esperar, mal vai se reconhecer em meio a tanto pó.

Namorar é uma delícia! E, para ser assim, é preciso estar disposto a entender o outro, a aceitar as diferenças e compreender que a bagagem dele tem pesos e medidas diferentes dos seus. Afinal de contas, cada um carrega espinhos e flores dos caminhos pelos quais já passou…

E, para continuar a trajetória, tope cinemas, festas, confidências, viagens, shows, pipoca, futebol, videogame… Tope viver, independente de quem quiser ir com você.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira