15 de fevereiro de 2016

Não seja porta-voz de uma notícia ruim

Crônicas

Meu celular descarregou no sábado de carnaval e, pela primeira vez desde que me encontro conectada à era digital, tive preguiça de colocá-lo para carregar. Estava com meu pai, meus irmãos e meu namorado em pleno furdunço soteropolitano. A única pessoa com a qual eu precisaria me comunicar era a minha mãe e ela sabia todos os caminhos – e todos os outros números – para me encontrar. Desconectar-me um pouquinho não seria nada demais.

Quarta-feira de cinzas e, em meio à nostalgia dos dias que se passaram, resolvi dar uma recarregada na vida do aparelho. Mais de 30 mensagens de texto, 364 mensagens instantâneas, incontáveis notificações nas redes sociais e algumas eruditas mensagens na caixa postal (sério, quem ainda manda mensagem de voz na caixa postal?). Era tanta coisa que, juro, nem soube por onde começar. E, diante de tantas opções, ao começar, um baque:

“Jéssica, eu soube aqui que Lilica morreu. O que foi que teve?

Era a mensagem de voz de uma prima informando o falecimento da minha cachorrinha, Lilica. Ouvi duas vezes, sem acreditar. Olhei a data e a hora do envio. Domingo, às 17h35, três dias atrás… Não poderia ser.

Liguei imediatamente para a minha mãe que, hesitando estragar meu carnaval, ainda titubeou e tentou negar o ocorrido, mas era a mais pura verdade: “Ela já estava velhinha e eu não queria estragar a sua festa…”, disse ela, chorando.

Ao desligar, um misto de sentimentos: raiva, indignação, tristeza, saudade e dor, muita dor. Naquele momento, eu perdia uma fiel e atenta companhia que me mostrara o que é o amor diariamente, por doze anos.

Aliás, naquele momento eu tentava assimilar uma notícia ruim, como tantas outras às quais nos acostumamos em meio à era digital, de mãos atadas, sem nada a fazer a não ser chorar.

Conheço a minha prima e sei que não fez por mal. Ela queria apenas saber o que havia acontecido, afinal de contas a urgência da noticiabilidade e da informação ultrapassou as barreiras jornalísticas faz tempo. E isso só me faz repensar o quão ávidos estamos pelo cargo de porta-vozes da notícia, seja ela boa ou má.

notícia ruim

Horas depois, recebo (também atrasado) um vídeo no qual uma vendedora ambulante de Salvador estaria comercializando água suja em garrafas de água mineral, sem lacre e sem rótulo. Abaixo dele, os comentários mais negligentes possíveis. “Vagabunda” e “oportunista” eram os mais brandos. Fiquei chocada com tamanha irresponsabilidade dos julgamentos. Mas, por mais que doa – e enraiveça – o que vou dizer agora, é a mais pura verdade: o “cinegrafista” do vídeo também não o fez por mal.

Oras, quem vai a Salvador no carnaval já conhece a história. As Muquiranas (nome dado aos homens que se vestem de mulheres para saírem em bloco homônimo) só compram bebidas nas mãos de vendedores que enchem suas pistolas d’água. E NINGUÉM enche a pistola de brinquedo com água mineral, né?! Dois reais a garrafinha, amigo! Imagine ter que comprar cerveja, abadá, água para matar a sede e água para brincar de atirar nos outros. A conta só fechou para quem queria, a todo custo, ter seu vídeo viralizado na internet.

Babaca? Totalmente! Mas todos nós somos diariamente coniventes com os porta-vozes das más “notícias” de última hora quando levamos o vídeo, a foto ou a informação a diante sem sequer sabermos se são verdadeiros ou não.

Na pressa de chegarmos primeiro, atropelamos muito. Muitas vezes, de forma irreversível.

Antes de dormir, mais uma notícia: “Entraram na casa de Fulano* (um ex-colega de cursinho), roubaram joias, eletrônicos e tudo o mais. Ele ainda não sabe porque está no carnaval de Recife, mas alguém tem que contar, né?!”

Sim, tem. A polícia, algum vizinho ou familiar que tenha plena intimidade com ele. Não serei eu a porta-voz de uma desgraça dessas apenas pelo fato de a notícia ter chegado a mim primeiro.

Ninguém é obrigado a ser maratonista de informação da vida alheia. Nem jornalistas. Assim, se você soube dos fatos primeiro que muita gente, que maravilha! Encoraje-se para contar à Polícia, IML, Guarda costeira, Exército, Marinha, Aeronáutica, IBAMA, SAMU etc., ou engula a seco essa necessidade de aparecimento.

Traições, brigas, reconciliações, morte, enfermidades, (re)nascimetos, coragens e arrependimentos de carnaval. Soube tudo na quarta-feira de cinzas e aprendi, de uma vez por todas, que desconectar-se também é preciso.

Para o bem, a paz e a dor de todos.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
03 de fevereiro de 2016

Nenhuma dúvida dói mais que a própria dúvida

Crônicas

Sempre tive necessidade de verbalizar sentimentos. Dores, amores, alegrias, raivas, indignações, saudade, ojeriza, decepções… Basta que eles cheguem para que eu os coloque para fora senão, acredite, morro por asfixia!

Tudo bem, estou exagerando, mas preciso respirar bem fundo – e beber vários copos d’água – quando não posso falar ou escrever o que sinto. Já tentei até terapia, mas o máximo que consigo é retardar o tempo para o óbvio: eu vou falar! Com mais calma, mais paciência e mais análises sobre o assunto, mas vou falar.

A primeira vez da qual me lembro explodir de sentimentos foi aos doze anos, quando escrevi a minha primeira declaração de amor. Uma página, frente e verso, todinha de pura emoção. Sério! Tão significativa que, alguns anos atrás, fui pedir a carta ao garoto para que eu pudesse fazer uma cópia. Não me julguem, eu só queria mostrar para os meus netos… ♥

dúvida - crônica

O resultado, claro, não foi muito positivo, mas a sensação do alívio me mostrou que nenhuma dúvida dói mais que a própria dúvida.

Sinceramente, depois dessa experiência “boba” e adolescente, nunca soube deixar um sentimento me consumir. Conheço gente que passa dias pensando se diz ou não diz; quando e como diz; buscando no dicionário as palavras mais polidas para dizer o que pensa há meses e não tem coragem de colocar para fora. O emprego que não traz felicidade, a profissão que não motiva, o namoro que não preenche mais o coração, o amigo sempre conveniente, o parente que em nada participa da sua vida, mas sempre faz questão de opinar sobre ela …

Preferem ficar na dúvida, no campo das ideias, nas incertezas e na segurança do que já lhe é confortável e nunca saem do lugar. Permanecem caladas, sufocadas com suas próprias inquietações. Nem sei se o termo existe, mas considero tudo isso um suicídio psicológico. Definitivamente, não consigo.

Em contrapartida, sou consciente de que as consequências das nossas opiniões são diretamente proporcionais ao impulso com o qual as emitimos. É a lei da ação e reação vivinha da Silva, mesmo que tenhamos fechado os livros de Física há anos. Não tem jeito.

Óbvio que também não saio por aí falando tudo o que penso. Calma aí. Ainda sou regida por convenções sociais que me fazem parar – mesmo que por cinco segundos – para refletir sobre a propagação da minha verbalização.

É importantíssimo não intencionar machucar o outro, mas é primordial não machucar a si mesmo.

Em casos de dúvidas, máscaras de oxigênio jamais cairão Para descobrir, será preciso verbalizar, seja lá de que forma for. E se o medo for de dor, uma hora ela passa.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
07 de janeiro de 2016

A praia é um espaço para todos

Crônicas

É só o verão chegar para que, com ele, venham os incontáveis projetos para um corpo midiaticamente perfeito: pele bronzeada, barriga tanquinho, pernas torneadas, bunda empinada e, claro, a marquinha do biquíni.

Tudo isso atrelado à crença de que, na praia, só há espaço para quem tenha atingido tal meta e aos – muitos – comentários ofensivos aplicados àqueles que não as tenham alcançado. Um equívoco de ambas as partes, pois a praia é um espaço para todos.

a praia é um lugar para todos

Imagem: Pinterest

Aliás, poucos espaços são tão democráticos quanto uma praia. Pode-se ir a pé, de ônibus, de carro e até mesmo de avião. Pode-se comer na barraca da orla, comprar algo com um ambulante ou até mesmo levar comida de casa. Pode-se deitar na areia, ler um livro, praticar esporte ou ficar apenas observando o mar. Pode-se ir de calça, de short, de saia, de roupa de banho ou vestida de noiva. Podem ir animais. bebês, crianças, jovens, adultos e idosos. Podem ir autistas, cadeirantes, cegos e surdos. Podem ir altos, magros, baixos e gordos. Não custa nada, apenas a vontade de estar lá!

Mas há quem não tenha qualquer vontade, nem para a praia nem para a vida. E, para preencher as faltas existentes, perde tempo julgando a barriguinha, as celulites, as estrias e – pasmem – até os modelos da sunga ou do biquíni alheios. Mal sabe ele que a sua “barriguinha” reflete o quão gostosa é aquela cerveja gelada que só a barraca da praia oferece; que as suas celulites são marcas registradas do tempo passado numa cadeira de escritório para pagar as contas; que as suas estrias são um reflexo literal do seu crescimento e que o modelo da sua roupa de banho é o que te deixa mais feliz.

Faça um teste. Observe com atenção as pessoas que tecem ou compartilham comentários maldosos sobre o corpo de alguém que está na praia. Qual foi a última vez que elas mergulharam no mar ou caminharam pela areia? Quando expuseram a sua felicidade em sungas, shorts, maiôs ou biquínis? Quando usaram seu tempo para cuidar da própria vida em vez de criticar o corpo alheio?

Privar-se da liberdade de um banho de mar, de uma caminhada na areia ou até mesmo de uma ida ao calçadão porque há quem julgue a idade, o tamanho ou a “textura” do seu corpo é entregar nas mãos de outra pessoa o direito que lhe assiste de ser feliz.

O mar poderia estar só para peixe, mas está para todos. Então, no próximo fim de semana, vá à praia. Lave o corpo, a alma e se liberte de quem fica guardando a vontade de ser feliz.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira