21 de março de 2016

Eu não morro de amores por chocolate e tudo bem

Crônicas

Eu nasci em pleno domingo de Páscoa e, por alguma ironia do destino, nunca morri de amores por chocolate. Sim, eu sou uma mulher que não faz auê por chocolates.

Antes de comentar “Não acredito!”, “Você não deve ser normal!”, “As pesquisas mostram que (insira aqui qualquer benefício proporcionado pelo chocolate) ou “Isso é porque você ainda não experimentou  (insira aqui os nomes belgas e suíços mais salivantes que conhece), acredite: sou normalíssima, confio nas pesquisas – embora muitas não funcionem comigo – e já experimentei chocolates belgas e suíços de primeiríssima.

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Imagem: Pinterest

Não adianta, não sou fã. Chocolate não me deixa feliz nem acelera o meu coração (prevejo cientistas querendo me estudar em 3…2…1). Aliás, a única coisa que ele acelera é meu estômago. Embrulha tudo e eu vou evitar descrições mais íntimas para não embrulhar o seu também, viu?!

Mesmo assim, experimento um ou dois a cada, sei lá, mês. E, para esse feito, é preciso insistir muito, fazer propaganda, dizer que é o melhor chocolate desse maravilhoso mundo de Oz e, claro, falar mostrar que é, no mínimo, meio amargo. Se disser que é docinho, fia, serei obrigada a recusar com aquela justificativa íntima do estômago…

Mas, como disse, eu como. Os meio amargos, amargos e super amargos. Algumas raras vezes, ao leite. Todos eles a mordidas largas. Às vezes, tão largas que o próprio chocolate desiste e passa da validade. É, já aconteceu…

Foi com o ovo de Páscoa Serenata de Amor tamanho 25 que ganhei do meu primeiro namorado. Quase um quilo de chocolate. Sem a serenata, mas com a proposta clara de uma glicose no topo do Monte Everest. Quase u-m-q-u-i-l-o-d-e-c-h-o-c-o-l-a-t-e. Romântico, eu sei, mas muito, muito doce!

Sorvete de chocolate? Não desce na garganta. Caixas de bombom? Sempre derretem. Biscoito recheado? Tiro o chocolate e como… o biscoito! Torta? “Um pedaço bem fininho, por favor!” Barras? Perdi as contas de quantas vezes já as esqueci na geladeira e, quando me deu aquela vontadezinha de tirar um pedacinho, os “donos” já haviam comido. Há séculos.

Mesas de doces de festas e casamentos? Acho todas lindas e maravilhosas! Mas só experimento se algum amigo garantir o “Não é de chocolate, pode provar!” ou “É de chocolate, mas não é enjoativo” (porque amigo que é amigo sabe das nossas intimidades, dos nossos embrulhos no estômago…).

E, por falar em amigo, sei que muitos me contestarão aqui com o argumento do brigadeiro (que, segundo eles, sei fazer o melhor do mundo!). Sou sim, apaixonadinha por brigadeiro, como de colher e tudo o mais, mas é aquela coisa: um já me satisfaz a alma. Passou disso, satisfação passa a não fazer parte do contexto.

Pronto, eis a única uma coisa da qual sou verdadeiramente desapegada nesta vida: chocolate. E como tenho isso muito bem resolvido em mim, não vou precisar levar o caso para a terapia.

Tudo bem, sou desapegada, mas raras vezes também sou abduzida pelo espírito do meio amargo, do brownie com queijo, do creme de avelã, das nozes e do licorzinho de cereja. Ah, claro, e do chocolate quente! ♥ Mas daquele jeito: um ou dois, sei lá, por mês.

E o mês, esse ano, pode ser março. Vai que há pesquisas…

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
10 de março de 2016

Sobre os sustos que nos engrandecem

Crônicas

Há sustos que cessam apenas soluços. São os famosos “Booooo” seguidos de gritos histéricos e pulos desordenados que mais nos irritam que, de fato, surtem efeito. No máximo, fazem o nosso coração acelerar um pouquinho e só. Em dez segundos, voltamos ao normal.

Há outros, um tanto mais graves, que chegam a cessar a vida. Provavelmente, foram dados em doses homeopáticas e imperceptíveis ao longo doa anos, fazendo com que, diante de uma dose extra, o coração acelerasse além da conta. Em dez segundos, colocamos o ponto final da nossa história. Partimos para outra.

Mas há sustos que cessam o nosso olhar diante do mundo e, por vários segundos, nos dão a chance de uma reflexão sobre o que verdadeiramente queremos para a nossa vida. Normalmente, são os sustos de uma doença, de uma demissão, de uma perda. São os sustos das mudanças que não estavam (e nunca estão) nos nossos planos, mas são os sustos que nos amortecem para o impacto seguinte: decidir seguir apesar de.

sustos - valentina contreras

Ilustração: Valentina Contreras

Apesar de um diagnóstico ruim, de um relacionamento rompido, de um emprego que não deu certo, de uma mala extraviada, de uma despesa de última hora, de pessoas que sugam nossas energias, de uma despedida sofrida e inesperada, de um arrependimento, de uma mágoa… Apesar de qualquer susto de mudança, sigamos.

Sigamos para que possamos responder com mais rapidez as dúvidas que o susto nos deixou. Certamente, dúvidas que já permeavam a nossa mente, mas protelávamos suas respostas em virtude do tempo que julgávamos ter.

Sustos assim nos fazem reconsiderar a importância que damos às coisas e às pessoas. Muitas vezes, surgem de forma cruel, eu sei, mas são aprendizados que jamais teríamos com o coração batendo tranquilo e conhecidamente musicado.

Sustos assim nos fazem olhar para dentro, reconhecer o que há de mais importante, identificar o que nos é necessário e perseverar. Na fé, na cura, no amor, no novo emprego, nos sonhos, nas boas surpresas, na mudança e na vida.

Porque sustos, quando não nos tiram a vida ou o soluço, engrandecem.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
15 de fevereiro de 2016

Não seja porta-voz de uma notícia ruim

Crônicas

Meu celular descarregou no sábado de carnaval e, pela primeira vez desde que me encontro conectada à era digital, tive preguiça de colocá-lo para carregar. Estava com meu pai, meus irmãos e meu namorado em pleno furdunço soteropolitano. A única pessoa com a qual eu precisaria me comunicar era a minha mãe e ela sabia todos os caminhos – e todos os outros números – para me encontrar. Desconectar-me um pouquinho não seria nada demais.

Quarta-feira de cinzas e, em meio à nostalgia dos dias que se passaram, resolvi dar uma recarregada na vida do aparelho. Mais de 30 mensagens de texto, 364 mensagens instantâneas, incontáveis notificações nas redes sociais e algumas eruditas mensagens na caixa postal (sério, quem ainda manda mensagem de voz na caixa postal?). Era tanta coisa que, juro, nem soube por onde começar. E, diante de tantas opções, ao começar, um baque:

“Jéssica, eu soube aqui que Lilica morreu. O que foi que teve?

Era a mensagem de voz de uma prima informando o falecimento da minha cachorrinha, Lilica. Ouvi duas vezes, sem acreditar. Olhei a data e a hora do envio. Domingo, às 17h35, três dias atrás… Não poderia ser.

Liguei imediatamente para a minha mãe que, hesitando estragar meu carnaval, ainda titubeou e tentou negar o ocorrido, mas era a mais pura verdade: “Ela já estava velhinha e eu não queria estragar a sua festa…”, disse ela, chorando.

Ao desligar, um misto de sentimentos: raiva, indignação, tristeza, saudade e dor, muita dor. Naquele momento, eu perdia uma fiel e atenta companhia que me mostrara o que é o amor diariamente, por doze anos.

Aliás, naquele momento eu tentava assimilar uma notícia ruim, como tantas outras às quais nos acostumamos em meio à era digital, de mãos atadas, sem nada a fazer a não ser chorar.

Conheço a minha prima e sei que não fez por mal. Ela queria apenas saber o que havia acontecido, afinal de contas a urgência da noticiabilidade e da informação ultrapassou as barreiras jornalísticas faz tempo. E isso só me faz repensar o quão ávidos estamos pelo cargo de porta-vozes da notícia, seja ela boa ou má.

notícia ruim

Horas depois, recebo (também atrasado) um vídeo no qual uma vendedora ambulante de Salvador estaria comercializando água suja em garrafas de água mineral, sem lacre e sem rótulo. Abaixo dele, os comentários mais negligentes possíveis. “Vagabunda” e “oportunista” eram os mais brandos. Fiquei chocada com tamanha irresponsabilidade dos julgamentos. Mas, por mais que doa – e enraiveça – o que vou dizer agora, é a mais pura verdade: o “cinegrafista” do vídeo também não o fez por mal.

Oras, quem vai a Salvador no carnaval já conhece a história. As Muquiranas (nome dado aos homens que se vestem de mulheres para saírem em bloco homônimo) só compram bebidas nas mãos de vendedores que enchem suas pistolas d’água. E NINGUÉM enche a pistola de brinquedo com água mineral, né?! Dois reais a garrafinha, amigo! Imagine ter que comprar cerveja, abadá, água para matar a sede e água para brincar de atirar nos outros. A conta só fechou para quem queria, a todo custo, ter seu vídeo viralizado na internet.

Babaca? Totalmente! Mas todos nós somos diariamente coniventes com os porta-vozes das más “notícias” de última hora quando levamos o vídeo, a foto ou a informação a diante sem sequer sabermos se são verdadeiros ou não.

Na pressa de chegarmos primeiro, atropelamos muito. Muitas vezes, de forma irreversível.

Antes de dormir, mais uma notícia: “Entraram na casa de Fulano* (um ex-colega de cursinho), roubaram joias, eletrônicos e tudo o mais. Ele ainda não sabe porque está no carnaval de Recife, mas alguém tem que contar, né?!”

Sim, tem. A polícia, algum vizinho ou familiar que tenha plena intimidade com ele. Não serei eu a porta-voz de uma desgraça dessas apenas pelo fato de a notícia ter chegado a mim primeiro.

Ninguém é obrigado a ser maratonista de informação da vida alheia. Nem jornalistas. Assim, se você soube dos fatos primeiro que muita gente, que maravilha! Encoraje-se para contar à Polícia, IML, Guarda costeira, Exército, Marinha, Aeronáutica, IBAMA, SAMU etc., ou engula a seco essa necessidade de aparecimento.

Traições, brigas, reconciliações, morte, enfermidades, (re)nascimetos, coragens e arrependimentos de carnaval. Soube tudo na quarta-feira de cinzas e aprendi, de uma vez por todas, que desconectar-se também é preciso.

Para o bem, a paz e a dor de todos.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira