03 de fevereiro de 2016

Nenhuma dúvida dói mais que a própria dúvida

Crônicas

Sempre tive necessidade de verbalizar sentimentos. Dores, amores, alegrias, raivas, indignações, saudade, ojeriza, decepções… Basta que eles cheguem para que eu os coloque para fora senão, acredite, morro por asfixia!

Tudo bem, estou exagerando, mas preciso respirar bem fundo – e beber vários copos d’água – quando não posso falar ou escrever o que sinto. Já tentei até terapia, mas o máximo que consigo é retardar o tempo para o óbvio: eu vou falar! Com mais calma, mais paciência e mais análises sobre o assunto, mas vou falar.

A primeira vez da qual me lembro explodir de sentimentos foi aos doze anos, quando escrevi a minha primeira declaração de amor. Uma página, frente e verso, todinha de pura emoção. Sério! Tão significativa que, alguns anos atrás, fui pedir a carta ao garoto para que eu pudesse fazer uma cópia. Não me julguem, eu só queria mostrar para os meus netos… ♥

dúvida - crônica

O resultado, claro, não foi muito positivo, mas a sensação do alívio me mostrou que nenhuma dúvida dói mais que a própria dúvida.

Sinceramente, depois dessa experiência “boba” e adolescente, nunca soube deixar um sentimento me consumir. Conheço gente que passa dias pensando se diz ou não diz; quando e como diz; buscando no dicionário as palavras mais polidas para dizer o que pensa há meses e não tem coragem de colocar para fora. O emprego que não traz felicidade, a profissão que não motiva, o namoro que não preenche mais o coração, o amigo sempre conveniente, o parente que em nada participa da sua vida, mas sempre faz questão de opinar sobre ela …

Preferem ficar na dúvida, no campo das ideias, nas incertezas e na segurança do que já lhe é confortável e nunca saem do lugar. Permanecem caladas, sufocadas com suas próprias inquietações. Nem sei se o termo existe, mas considero tudo isso um suicídio psicológico. Definitivamente, não consigo.

Em contrapartida, sou consciente de que as consequências das nossas opiniões são diretamente proporcionais ao impulso com o qual as emitimos. É a lei da ação e reação vivinha da Silva, mesmo que tenhamos fechado os livros de Física há anos. Não tem jeito.

Óbvio que também não saio por aí falando tudo o que penso. Calma aí. Ainda sou regida por convenções sociais que me fazem parar – mesmo que por cinco segundos – para refletir sobre a propagação da minha verbalização.

É importantíssimo não intencionar machucar o outro, mas é primordial não machucar a si mesmo.

Em casos de dúvidas, máscaras de oxigênio jamais cairão Para descobrir, será preciso verbalizar, seja lá de que forma for. E se o medo for de dor, uma hora ela passa.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
07 de janeiro de 2016

A praia é um espaço para todos

Crônicas

É só o verão chegar para que, com ele, venham os incontáveis projetos para um corpo midiaticamente perfeito: pele bronzeada, barriga tanquinho, pernas torneadas, bunda empinada e, claro, a marquinha do biquíni.

Tudo isso atrelado à crença de que, na praia, só há espaço para quem tenha atingido tal meta e aos – muitos – comentários ofensivos aplicados àqueles que não as tenham alcançado. Um equívoco de ambas as partes, pois a praia é um espaço para todos.

a praia é um lugar para todos

Imagem: Pinterest

Aliás, poucos espaços são tão democráticos quanto uma praia. Pode-se ir a pé, de ônibus, de carro e até mesmo de avião. Pode-se comer na barraca da orla, comprar algo com um ambulante ou até mesmo levar comida de casa. Pode-se deitar na areia, ler um livro, praticar esporte ou ficar apenas observando o mar. Pode-se ir de calça, de short, de saia, de roupa de banho ou vestida de noiva. Podem ir animais. bebês, crianças, jovens, adultos e idosos. Podem ir autistas, cadeirantes, cegos e surdos. Podem ir altos, magros, baixos e gordos. Não custa nada, apenas a vontade de estar lá!

Mas há quem não tenha qualquer vontade, nem para a praia nem para a vida. E, para preencher as faltas existentes, perde tempo julgando a barriguinha, as celulites, as estrias e – pasmem – até os modelos da sunga ou do biquíni alheios. Mal sabe ele que a sua “barriguinha” reflete o quão gostosa é aquela cerveja gelada que só a barraca da praia oferece; que as suas celulites são marcas registradas do tempo passado numa cadeira de escritório para pagar as contas; que as suas estrias são um reflexo literal do seu crescimento e que o modelo da sua roupa de banho é o que te deixa mais feliz.

Faça um teste. Observe com atenção as pessoas que tecem ou compartilham comentários maldosos sobre o corpo de alguém que está na praia. Qual foi a última vez que elas mergulharam no mar ou caminharam pela areia? Quando expuseram a sua felicidade em sungas, shorts, maiôs ou biquínis? Quando usaram seu tempo para cuidar da própria vida em vez de criticar o corpo alheio?

Privar-se da liberdade de um banho de mar, de uma caminhada na areia ou até mesmo de uma ida ao calçadão porque há quem julgue a idade, o tamanho ou a “textura” do seu corpo é entregar nas mãos de outra pessoa o direito que lhe assiste de ser feliz.

O mar poderia estar só para peixe, mas está para todos. Então, no próximo fim de semana, vá à praia. Lave o corpo, a alma e se liberte de quem fica guardando a vontade de ser feliz.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
23 de dezembro de 2015

Sobre a celebração diária do Natal

Crônicas

Depois do meu aniversário, o Natal é minha data comemorativa predileta, pois reúne duas das coisas que mais considero importantes na existência humana: a celebração da vida e a união entre pessoas que verdadeiramente se amam.

Comemorar o nascimento de alguém é algo tão sublime que, sendo bem sincera, nunca consegui entender por que muitos consideram o Natal uma data triste. Talvez porque  o associam à perda de um ente querido, a mágoas e desentendimentos que nunca foram resolvidos, a reconciliações que nunca foram feitas, à desigualdade social e à hipocrisia humana. Mas, convenhamos, hipocrisia mesmo não é deixar para pensar nisso tudo num único dia?

natal_cronica

Imagem: Pinterest

Já perdi avós, prima e um irmão. Sinto a falta deles constantemente. Pessoas extremamente felizes, que amavam celebrar o Natal e a vida. Acho até covardia me entristecer porque essas pessoas não estão mais dividindo a ceia comigo, até porque elas estão: nas lembranças que ficam. E isso não morre.

Também tenho mágoas a curar e reconciliações a fazer, mas elas não precisam ser feitas no Natal – nem por causa dele. Posso ser perdoada ou perdoar num encontro ao acaso, numa gargalhada compartilhada diante de algo bobo, numa ligação despretensiosa, numa mensagem de conforto ou de apoio. Acredite, existem formas mais sinceras e honestas de fazer as pazes que um “Desculpe-me!’

Vivemos num país desigual, em tudo. Da hora do nascimento à hora da morte, passando por moradia, saneamento básico, saúde, educação e tantas, tantas outras coisas que não caberiam se exemplificadas aqui. No Natal, chora-se pelos desabrigados e  pelos desnutridos. Clama-se por justiça. Culpa-se o Governo pela miséria, afinal todos poderiam ter uma ceia farta, né?

Entretanto, continua-se desmerecendo profissões, segregando pessoas pela cor da peleou classe social, trocando votos por benefícios próprios e a sociedade que se dane, não é mesmo? A hipocrisia é diária. No Natal, as pessoas apenas se culpam pela existência dela.

Culpam-se tanto que, na semana da festa, lotam centros comerciais e shoppings da cidade achando que vão ganhar lugar cativo no coração de alguém com um embrulho bonito e bem feito (muitas vezes, escolhido às pressas).  Ledo engano.

Ganha-se o coração de alguém com um presente muito maior  e mais duradouro, que loja alguma ousa vender: a presença. Nos momentos de felicidade, de tristeza, de dúvidas, de inquietações. Se dada apenas no Natal, não cria raízes, nem laços. Não faz qualquer sentido.

Na noite de Natal, pense em quem celebra – e celebrou – a vida com você no dia a dia, e no que você tem de mais valioso para oferecer a essas pessoas. Acredite naquilo que te faz feliz e, por favor, só chore se for de felicidade.

Natal é a celebração da vida. Comemore! A resolução dos problemas e das tristezas a gente deixa para os outros 364 dias..

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira