15 de setembro de 2015

Sobre viagens com excesso de bagagem

Crônicas

Fazer as malas para ir a outra cidade, estado ou país é ter a oportunidade de, no retorno, exceder bagagens e não pagar absolutamente nada por isso.

Não falo de compras, embora ame fazê-las, mas de algo cuja validade é eterna: o conhecimento. E é uma pena que nem todo mundo saiba valorizar isso.

Com a internet, viajamos antes mesmo de entrarmos no avião. Pesquisamos o mapa do local, vemos as fotos dos principais pontos turísticos, lemos os depoimentos de quem já esteve nas lojas, bares e restaurantes mais badalados, sabemos onde encontramos a melhor cotação da moeda estrangeira e memorizamos, inclusive, as placas das ruas por onde – ainda – vamos passar. Tudo pronto, graças a um sinal de internet minimamente considerável.

Não estou questionando a tecnologia até porque também me utilizo dela, mas toda vez que entro num ônibus ou num avião me pergunto se sabemos de verdade para onde estamos indo.

excesso de bagagem

Foto: Pinterest

Viajamos para um lugar que almejamos conhecer ou para onde queremos que os outros vejam que fomos? Desbravamos caminhos ou percorremos destinos prontos, fabricados e já percorridos?

Fiquei pensando nisso enquanto visitava o “Museo de La Memória y Los Derechos Humanos” em Santiago, no Chile. Um local repleto de informações sobre um país que viveu uma dos cenários mais devastadores da Ditadura Militar em toda a América Latina. Uma aula de cultura, política, ideologia e sociedade assistida por poucos se comparada aos demais pontos turísticos da cidade.

Também pudera: não rende fotos para o Instagram ou para o Facebook. Não rende curtidas e muito menos popularidade. Rende apenas conhecimento, algo que está visivelmente oculto e, para muitos, esse é um excesso de bagagem que pesa.

Pesa o fato de desfazer um roteiro pronto, produzido em série, minimamente cronometrado. Pesa o fato de perder-se em meio a ruas e avenidas já vistas em todos os detalhes através do Google Street View. Perder-se? Imagina! Tempo é valioso demais e não se pode ir aonde ninguém foi. Não está no mapa, não há avaliações…

No museu, ouvi de um guia de turismo: “Ninguém nunca me pediu para vir aqui”. Fiquei pensando em como alguém vai a um país sem sequer conhecer a sua história. Pelas fotos? Pelos pontos turísticos? Ah, sinceramente, melhor abrir um Photoshop que passar horas sentada numa cadeira apertada de avião. Gasta menos. Tempo e  dinheiro. E se economiza um peso que, sinceramente, há quem não consiga carregar.

Se eu trabalhasse na imigração, perguntaria a todo turista o porquê de ele querer conhecer aquele país. Primeiro porque sou curiosa mesmo (intrusiva, já diria um conhecido). Segundo porque tenho certeza de que muita gente nem se faz essa pergunta e viaja só para fazer foto em ponto turístico.

Não, pensando bem, não iria dar certo. Com a quantidade de gente que eu deportaria, os países teriam um rombo na economia e as filas no meu guichê seriam intermináveis. Melhor continuar sendo jornalista mesmo…

Continuando…

É claro que pontos turísticos fazem parte de toda e qualquer viagem. Façamos poses em vários deles. Mas também procuremos saber qual o prato típico daquela cidade em vez de reclamarmos da falta de feijão com arroz no almoço; perguntemos quanto custa o salário mínimo daquele país em vez de reclamarmos dos preços dos objetos; comparemos clima, vegetação, colonização, educação e entretenimento antes de tecermos comentários meramente preconceituosos e vazios diante de uma realidade que não, não é a que vivemos.

E por não vivê-la não entendamos estarmos alheios a ela. Viajar não é fazer as malas, é desprender-se do que se leva dentro delas e absorver o que mais ninguém vê. Um excesso de bagagem para uma vida inteira.

Ao errarmos um caminho, há grandes chances de nos depararmos com uma paisagem ou uma confeitaria até então desconhecidas. Ao conversarmos com o garçom, o taxista ou a vendedora da loja, poderemos ser surpreendidos por dicas que só quem mora por ali poderia nos fornecer. Ao pararmos no meio de uma praça, despretensiosamente, inúmeras informações nos chegarão através dos olhares das pessoas. Ao entrarmos num museu cheio de história, voltamos mais aptos a entendermos a nossa.

Da próxima vez em que for planejar uma viagem, deixe espaço na mala para as surpresas, para os imprevistos, para os novos sabores, para as descobertas, para uma nova amizade, para novos aprendizados.

Conhecimento nunca é demais e tê-lo como excesso na bagagem deveria ser obrigatório. De preferência, com direito a carimbo escrito “Volte quando quiser saber mais!”

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira