29 de junho de 2015

Sobre a morte em frente a uma tela de celular

Crônicas

Dos gênios da humanidade, Alexander Graham Bell tem a minha total admiração. Criou um aparelho que encurta distâncias, aproxima pessoas e capta sentimentos apenas pela  transmissão da voz. Aparelho sem o qual nem sei como essa pessoa que vos escreve sobreviveria: o telefone.

Sempre gostei de falar ao telefone. Por horas. Tenho tanta necessidade de verbalizarão que fui, inclusive, aquela criança/adolescente que sabia ligar para as amigas mesmo com o aparelho trancado com chave ou cadeado…

Se as pessoas estão longe, é o telefone que mata a saudade, mas me parece que ele tem matado muito mais que isso ultimamente. Tem matado a privacidade dos que vivem e, acreditem, dos que morrem.

lagrima

Vimos o telefone perder o fio, ganhar mobilidade, ficar sob os nossos olhos 24h por dia. O que era para aproximar, distanciou o próprio ser humano da humanidade.

Há uns anos, fiquei estarrecida quando li manchetes de jornais anunciando o suicídio de jovens que tiveram suas transas filmadas e disseminadas por um celular. A vergonha os teria levado à morte.

Semana passada, recebi o vídeo em que dois funcionários mostraram – com zombaria – o corpo do cantor Cristiano Araújo sendo preparado para o velório. Diante de um celular, a própria morte perdia sua capacidade de amedrontar. Quem diria…

Em frente a uma tela de celular – onde antes eram apenas números –  trocamos o falar pelo enviar. Perdemos as horas de atenção ao próximo, o bom senso, a vergonha, a paciência e o respeito à vida – e à morte – alheia.

Em frente a uma tela de celular, somos todos donos da verdade quando, na verdade, pouco sabemos sobre ela ou sobre nós mesmos.

Em frente a uma tela de celular, apertamos o gatilho e matamos planos, crenças e sonhos. Sem volta. Sem dó. Sem piedade.

Quer um conselho? Em frente a uma tela de celular, mate a saudade.

Enviemos.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira