24 de agosto de 2015

Sobre o tempo que não nos damos

Crônicas

Eu estava na fila da farmácia quando ouvi a mocinha justificar ao telefone sua ausência na festa de setenta anos da avó: “Mil desculpas, mas eu estava mesmo sem tempo. Se der, prometo que passo aí essa semana.”

Poderia mentir e lhes dizer que não escuto a conversa alheia, mas escuto. Todo mundo escuta. Principalmente se for algo dito em alto e bom som. E, convenhamos, o que não falta por aí é som nas conversas ao telefone…

“Mas, com o tempo, as coisas vão melhorar e eu vou ficar mais livre”, disse a menina ao terminar a conversa.

E dizemos todos nós, em diversas conversas, diariamente. Reclamamos que não nos sobra tempo e, ao mesmo tempo, acreditamos ser ele o grande responsável pela resolução dos nossos problemas. Tempo, um administrador perfeito. Só que não.

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Não podemos exigir do tempo algo que só cabe a nós mesmos administrar: o tempo que não nos damos.

Não nos damos tempo para estarmos com a família ou com os amigos, mas reclamamos que eles parecem meio distantes. Não nos damos tempo para o lazer, a diversão e a conversa jogada fora, mas reclamamos do cansaço dos nossos corpos. Não nos damos tempo para o amor, mas reclamamos que ele está escasso…

Não nos damos tempo para repararmos brigas, danos ou mal entendidos. Não nos damos tempo para ouvirmos o outro. Não nos damos tempo sequer para ouvirmos a nós mesmos. Não nos damos tempo nem para sabermos o tempo que temos. Quando temos tempo, claro.

E se não o temos, não devemos culpá-lo. Afinal de contas, ele continua o mesmo. Nossas prioridades é que mudaram.

A menina da farmácia pode ter priorizado o emprego, a faculdade, um encontro com a melhor amiga ou com o namorado. Pode ter priorizado uma enxaqueca, a vontade de voltar para casa ou de querer ficar sozinha. Pode ter priorizado se afogar em lágrimas ou num porre homérico. Pode ter priorizado o sono. Vai saber?!

Prioridades, tempo que nos damos. De resto, nada podemos reclamar.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira