06 de julho de 2015

Sobre a injustiça que pagamos para ver

Crônicas

Há quase três anos, em entrevista ao Fantástico, a ax-primeira-dama Roseanne Collor disse estar insatisfeita com a pensão de R$ 18 mil que ganhava do seu ex-marido, pois estava muito aquém do que recebiam as suas amigas, que sequer foram casadas com políticos.

Sim, é revoltante, mas é pura hipocrisia condenar a insatisfação da ex-primeira-dama em relação à pensão alimentícia recebida pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo. Hipocrisia porque, se estivesse no lugar dela, meu bem, certamente você faria a mesma coisa. E não venha dizer “Eu nunca, jamais, em hipótese alguma faria isso” porque é isso que o ser humano faz todos os dias: estabelece os seus direitos baseando-se nos direitos de pessoas socioeconomicamente menos favorecidas.

“Se fulano é pobre, negro, estudou em escola pública e tem direito às cotas nas melhores universidades públicas deste país, eu, que sou rico, branco, com olhos azuis e tenho pais que pagaram esforçadamente uma escola particular, tenho muito mais direito, claro!”. “Ah, se a Carla, que é feinha, tadinha, tá namorando aquele cara lindo, rico e inteligente, por que eu vou namorar aquele menino que nem tem carro?” Diante de situações tão corriqueiras, o que há mesmo de errado em “Se as minhas amigas que não foram esposas de presidentes da República ganham R$ 40 mil de pensão, por que eu, que fui primeira-dama, ganho só R$ 18 mil?”

injustiça
Injustiça? Quem somos nós para falarmos de Justiça se sempre nos colocamos como ponteiro para medirmos os direitos dos outros? Colocamos no poder pessoas que deveriam sancionar leis para o devido cumprimento de todos, mas a realidade é clara e, neste caso, muitíssimo justa: corrupção até – nunca – dizer chega! Sim, justa até quando fizermos do nosso direito à cidadania uma moeda de troca através de cargos públicos, presença VIP em eventos, roupas, joias, carros de luxo e festas, festas rodeada de mulheres, muitas mulheres, claro, porque nós temos o poder!

Nós? Não acho que poder seja uma questão de gênero, mas sim de competência, cautela, inteligência e disciplina, virtudes comuns a homens e mulheres. Entretanto, confesso que tenho uma (grande) má recordação da mistura mulher/poder: a Marcha das Vadias. Nem a minha miopia extrema me impediu de ver aquela cartolina amarela com a seguinte frase: “Minha buceta é o poder!” Não dei risada. Aliás, senti um remorso absurdo por acreditar na liberdade de expressão e pensei “Se a sua buceta tem tanto poder, por que você não a disponibiliza na urna? Assim, todo mundo põe o dedo e, no final, seu orgasmo salva o país da miséria em que está!”

Eu acredito que a liberdade sexual da mulher deva ser defendida sim. Temos o direito de transar quando quisermos e com quem nos desperta desejo, tesão, vontade, mas lutar por uma igualdade entre homens e mulheres é a mais pura ignorância. A ciência já provou: somos biologicamente diferentes. E sabemos que somos.

Sabemos ainda (eu espero que muitos de vocês saibam) que roupa é um reflexo cultural e que, sim, estereotipa. Mas onde está o problema se nós queremos e criamos estereótipos o tempo inteiro? “Criança que leva biscoito cream-cracker para a escola é pobre”, “Adulto que lê gibi ou tem coleção de carrinho é infantil”, “Mulher que se veste da cabeça aos pés não sabe prender um homem na cama”, “Homem que recusa uma boa noite de sexo é gay”.

Os anúncios publicitários nos mostram que devemos ser “primeiro mundo“ todo instante: silicone para ficarmos iguais às norte-americanas, cabelos lisos e sem frizz, calça boyfriend, T-Shirt, sapatos Oxford e óculos Gucci, claro”. Tudo muito básico e dividido em parcelas que durarão por mais umas quatro gerações (sendo bem otimista porque creio na teoria de que a moda é cíclica).

Onde estão as marchas para que tenhamos escolas públicas de qualidade? Para que haja roupas – longas e quentes – para os que passam frio após terem suas casas destruídas pelo egocentrismo (des) humano? Para que inúmeros funcionários da saúde cumpram com seus horários e obrigações nos hospitais públicos e particulares deste pais? Se a Roseane Collor ganha R$ 18 mil de pensão do ex-marido, sorte dela decorrente de uma burrice nossa. Mas onde estão as marchas para que os “quase” R$ 800 se tornem mais justo?

Tirar a roupa e sair às ruas em busca de liberdade sexual é muito fácil. Quero ver mesmo é quem veste a democracia deste país e se sente agasalhado.

*Texto originalmente escrito em julho de 2012 e adaptado para postagem no blog

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
Escreva seu comentário

* Preenchimento obrigatório. Seu email não será divulgado.
Quer que sua foto apareça no comentário? Clique aqui
Comente pelo facebook
0 comentários