23 de agosto de 2016

10 orientações para conviver com um deficiente visual

Cotidiano

Conviver com um deficiente visual parece difícil e assustador à primeira vista. Frequentemente, vejo depoimentos de pais que não sabem como se comportar diante do diagnóstico dos filhos cegos ou com baixa visão, de professores que não sabem o que fazer com esses estudantes em salas de aula ou de pessoas que não sabem como inserir o colega com deficiência na roda de conversas e atividades de lazer, já que eles não enxergam ou enxergam muito pouco…

Isso porque a sociedade criou um conceito equivocado de que a deficiência é uma incapacidade vitalícia, exigindo de outras pessoas total atenção, cuidado e disponibilidade para com quem a possui. Tal conceito, no entanto, desconsidera o fato de que a pessoa com deficiência não se limita a esse estereotipo, sendo capaz –  do jeito dela – de fazer inúmeras outras coisas no seu dia a dia.

deficiente visual - a primeira vista

Val Kilmer e Mira Sorvino em cena do filme “À primeira vista”, um clássico sobre deficiência visual (Foto: Divulgação)

Eu, por exemplo, nasci com baixa visão e enxergo quase nada sem óculos ou lentes de contato. Se os coloco, fico “apenas” com 20% da visão e, veja você, embora isso tenha dificultado muita coisa na minha vida, não me deixou estagnada no sofá de casa. Estudei em escola regular, cursei jornalismo numa universidade federal, fiz mestrado, passei num concurso público e tenho esse blog lindo que você está lendo agora!

Fácil? Nunca foi nem é! Mas foram alguns gestos muito simples que me deixaram mais confiante e segura para que eu chegasse até aqui. Gestos dos meus pais, de familiares, de amigos e até de alguns conhecidos que fizeram muita diferença e que podem servir de orientações para quem se sente um pouco perdido diante dessa convivência um pouquinho “diferente”.

Vamos começar?

1 – Nunca diga que ele “nem parece uma pessoa com deficiência”

Já contei neste vídeo que deficiência não é incapacidade, mas uma limitação. Quando você diz que um deficiente visual não parece um deficiente visual porque faz coisas da mesma forma que você (nunca é da mesma forma, gente, mas falarei sobre isso num outro post), inconscientemente, está associando a deficiência a algo menor, ruim, desmotivador e isso é absolutamente preconceituoso. Além disso, tenta camuflar uma realidade que incomoda muita, muita gente: deficientes podem fazer as mesmas coisas que pessoas ditas “normais”. Dentro das suas limitações, claro, mas fazem. E isso incomoda porque o ser humano não aceita “ficar para trás” diante de quem tem “um defeitinho”. Isso é histórico, mas precisa mudar! Então vamos corrigir a frase para “Que legal saber que você é maior que a sua deficiência!” ♥

2 – Não insista no fato de que ele pode enxergar determinado objeto que está distante

deficiente visual - Ilustração

Ilustração: Revista Viva Saúde

Todo deficiente visual sabe das suas limitações. Quando ele disser que não está enxergando algo que você considera estar perto, não insista. A chance de ele ficar nervoso, impaciente ou  ser grosseiro com você é imensa e, convenhamos, com razão. Isso acontece muito comigo. A pessoa mostra um objeto longe pra caramba e fala “Tá vendo aquele cartaz ao lado do prédio?” Digo que não e a pessoa insiste: “Aquele cartaz azul e amarelo, à sua esquerda, está escrito com letra grande, de cor roxa…” Respiro, digo que até estou enxergando o cartaz, mas não consigo ver as cores nem o texto. “Mas a letra está grande, faça um esforcinho…”  Oooooi??

Não vamos insistir, ok? Se você quer muito que a pessoa veja o tal cartaz/objeto/seja lá o que for, atravesse a calçada, a rua ou a cidade para mostrá-lo! Se não, apenas mencione as características do cartaz e o conteúdo do texto. Acredite, a pessoa vai entender.

3 – Não mude as coisas de lugar sem avisar

Essa é a regra básica para conviver com um deficiente visual, tendo ele baixa visão ou sendo completamente cego. Isso porque, mesmo sem enxergarmos bem, nosso cérebro faz um “mapeamento” constante dos ambientes que frequentamos no dia a dia. Casa, escola, trabalho, faculdade… Tudo fica devidamente organizado e mapeado na nossa cabeça, ainda que não enxerguemos os objetos nitidamente. Acho que isso fica fácil de entender quando vemos pessoas cegas se locomovendo normalmente em ambientes familiares. Sendo assim, toda e qualquer mudança no ambiente deve ser sinalizada para evitar desconfortos, insegurança e, em casos mais graves, até acidentes.

Ah, e não é só avisar, tá?! Tem que mostrar as mudanças (para os que enxergam) ou conduzir (para os que não enxergam) ao novo ambiente. E lembre-se: um carregador na tomada já é um novo ambiente para alguém com deficiência visual…

4 – Aliás, não faça nada sem avisar

Quanto maior a limitação visual, mais necessária se faz essa orientação. Está na sala conversando com uma pessoa cega e precisa sair ainda que rápido? Avise. Vai mudar de canal? Avise. Derrubou algo no chão? Avise. Avise SEMPRE! Isso é muitíssimo importante para que  deficiente visual confie em você e se sinta seguro na sua presença. E, por favor, não minta. Não diga, por exemplo, que vai ao banheiro se vai à casa do vizinho ou que tem cenoura na sopa se, na verdade, é abóbora. Não se aproveite da deficiência alheia para se beneficiar. Esperteza, nesse caso, é mau caráter mesmo!

5 – Não brinque com cães-guia

deficiente visual - cao guia

Foto: Instituto Federal de Santa Catarina

De forma geral, cães-guia são treinados para acompanhar e proteger pessoas cegas. Por serem os olhos dos seus donos, trabalham duro e precisam estar atentos o tempo inteiro para cumprirem a sua missão que, entenda, é um trabalho. Dessa forma, não se pode distraí-los com brincadeiras, abraços ou lanchinhos. Muito menos dar ordens para ver se ele atende aos seus chamados. Sei que é difícil se segurar diante de tanta fofura, mas caso queira se comunicar com um cão-guia, é absolutamente necessário pedir permissão ao dono. Só ele saberá se o momento é apropriado. Caso ele permita, aí sim pode soltar aquele “Ooooooown!” ♥

6 – Crie códigos para que a pessoa entenda situações de perigo

Em vez de utilizar frases do tipo “Olhe o buraco!”, “Cuidado com esse batente!”, “Não pise no chão molhado!“, que geram apreensão e ansiedade, crie códigos físicos para que o deficiente visual perceba a situação de perigo. Essa “técnica” dá muita segurança e noção de espaço, devendo ser utilizada desde os primeiros anos de vida da pessoa com deficiência visual.

Uma coisa que sempre funcionou muito comigo é alguém se colocar à minha frente e segurar minha mão com firmeza para que eu diminua o passo e, assim, note o degrau, o batente, o buraco, seja lá o que for. É muito melhor que avisar aos gritos, gente!

7 – Ofereça ajuda sempre que a pessoa for atravessar ruas e avenidas 

E essa ajuda não é apenas acompanhar no trajeto, tá?! É avisar se vem carro, se o sinal está aberto ou fechado, se há parada de ônibus do outro lado… E o mais importante: nunca pegue na mão ou no braço de um deficiente visual – cego ou com baixa visão – para atravessar a rua. Ofereça o seu braço para que ele possa tê-lo como apoio

8 – Nos restaurantes, observe se a pessoa consegue ler o cardápio

Se a pessoa for completamente cega, pergunte do que ela gosta e leia as opções por completo (sim, assim como você faz para você). Se ela tiver baixa visão, observe se sente dificuldades para ler o cardápio e ofereça ajuda para sanar qualquer dúvida. É um gesto simples que faz muuuuuita diferença! Até porque, convenhamos, muitos restaurantes têm cardápios que nem quem tem 100% da visão consegue ler…

9 – Em escadas, deixe o corrimão livre

Ao subir e descer escadas (principalmente descer), o deficiente visual precisa se apoiar em algum lugar para ter confiança e noção de espaço. Assim, sempre deixe esse lugarzinho reservado para ele.

10 – Entenda, de uma vez por todas, que ele não precisa ficar em casa só porque não enxerga bem

Como forma de compensação, a limitação visual faz com que todos os outros sentidos sejam mais aguçados que o normal. Portanto, mesmo sem enxergar bem, a pessoa ainda escuta, sente cheiros, gostos, emoções… Tem uma vida inteira pela frente que não deve, sob hipótese alguma, ser reduzida a uma deficiência. Leve seu filho/amigo/parente com deficiência visual para sair de casa. Eles sabem se divertir tão bem quanto você!

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
16 de abril de 2016

Sobre minha deficiência visual, toxoplasmose e preconceito

Cotidiano

Desde que fiz um post aqui no blog sobre minha deficiência visual , provocada por toxoplasmose congênita, muitas pessoas ficaram surpresas e me perguntaram inúmeras coisas sobre o assunto, principalmente “Como você enxerga tão pouco e consegue fazer tudo igual a todo mundo???” =)

Para tentar responder a todos, resolvi gravar um vídeo falando sobre o assunto, a contaminação via toxoplasmose e a associação equivocada da sociedade entre deficiência e incapacidade.

deficiência visual

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Queria muito contar a minha história não só para que vocês pudessem me conhecer um pouco melhor, mas principalmente para que outras pessoas pudessem assistir ao vídeo e compreender que uma limitação não pode – e não deve – barrar os sonhos, a felicidade nem a vida de alguém.

Sendo assim, aperte o play e chame todo mundo pra assistir porque o recado é de utilidade pública e foi dado com muito carinho! ♥

Também gravei um vlog explicando como funcionam os exames e a consulta ao oftalmologista.

Ah, se você tiver alguma pergunta complementar às respondidas aqui, pode deixá-la aqui nos comentários ou lá no canal do YouTube (aproveite para se inscrever também, tá?!) que responderei com o maior prazer!

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira