05 de outubro de 2016

Quatro de outubro ou o dia em que eu nasci de novo

Crônicas

Quando fecho os olhos, ainda consigo ver o cavalo correndo a todo vapor. Naquele milésimo de segundo de ontem, quatro de outubro, enquanto colocava as mãos no rosto e inclinava o corpo para a direita, meu único pensamento foi: “Meu Deus, vamos morrer!”

O barulho da batida foi rápido demais e, ao mesmo tempo, ensurdecedor. Depois, fez-se um silêncio inexplicável. Abri os olhos e, sentindo os estilhaços do vidro pelo corpo, vi as luzes dos outros carros na estrada. Imediatamente pensei: “Estou viva! Meu Deus, estou viva!”

Mas ter a minha vida de volta, definitivamente, não era o bastante. Eu queria olhar para o lado e encontrar o meu namorado vivo, bem, como dois, três segundos atrás. Senti tanto, tanto, tanto medo. Um medo que jamais pude imaginad e que só passou quando ouvi um “Amor, tá tudo bem?”. Encho os olhos de lágrima só em lembrar... “Acho que sim.”

Do lado de dentro, o conforto e a certeza de que estávamos vivos. Do lado de fora, muita solidariedade. Dos transeuntes, dos policiais, dos socorristas…

Queria sair do carro, mas não antes de avisar ao meu pai sobre o acidente. Não antes de explicar onde estava e o que tinnha acontecido. Não antes de verbalizar para alguém da minha confiança que Marcilio e eu estávamos bem e… vivos.

Vivos! E eu nunca fui tão feliz em constatar e escrever isso. Nunca fui tão feliz em perceber que as coisas mais importantes da vida não são coisas…

A Deus, muito, muito, muito obrigada pela vida. A de antes e a de agora.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
28 de setembro de 2016

Uma vida inteira dentro de um papelzinho

Crônicas

Vinte anos atrás, eu planejava casar aos 25 anos, com Marcelo, Gustavo ou Alan. Não, não havia preferência, qualquer um deles servia. Na conta, ainda estavam três filhos, dois carros e uma viagem de lua de mel para Nova Iorque, Paris ou Amsterdã. Um fluxograma audacioso para alguém com doze anos de idade, eu diria, mas é o que está escrito num papelzinho dentro de um paradidático da sexta série. E nem ouso desmentir: a letra é minha.

vida-num-papelzinho

Já saí dos 25 anos há sete e não casei. Marcelo nunca me deu bola. Para ser bem sincera – e um tantinho rancorosa – ele sequer me oferecia passatempo recheado na hora do lanche. E isso é um detalhe importantíssimo, que fique bem claro. Gustavo só falava comigo para tirar dúvidas na véspera das provas. Na maior parte do tempo, galanteava todas as meninas da escola e foi logo namorar a mais chata delas. Alan era um lord, mas chegava todo sujo e pingando suor até a alma depois de jogar bola no recreio. Seriam três casamentos falidos, claro. Só eu que, aos doze anos, não entendia.

Naquela época, eu não conseguia dar conta nem do meu cachorrinho. Imagine pensar em três filhos? Três! “Uma menina, um menino e, depois, tanto faz!” Tanto faz, claro…

Confesso que intrigada mesmo eu fiquei com esses “dois carros”. Uma família com cinco pessoas não caberia num só? Procurei, mas não tem nada aqui falando sobre a especificação ou motivo para cada um. Poderia ser um para rodar na cidade e outro para viajar, né? Vai saber.

Por falar em viagem, ficou claro que eu não tinha nenhum parâmetro para escolher meus destinos de lua de mel. Nova Iorque, Paris ou Amsterdã, três lugares tão diferentes… Aposto que escolhi um para cada pretendente. Aposto!

Uma vida inteira num único papelzinho em meio às páginas de um paradidático da sexta série. Um fluxograma decadente. E nem ouso desmentir: a letra é minha.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
03 de agosto de 2016

Que mania estranha você tem! “É para viver melhor…”

Crônicas

Qua é a sua mania mais estranha? Foi o que me perguntou uma amiga antes de discorrer sobre a mania ~muito estranha ~ do namorado de só amarrar os cadarços dos tênis ao chegar ao seu destino final.

Perguntei se era superstição, mas ela me disse que era mania de criança mesmo e que não adiantava nadinha argumentar que ele pode tropeçar, cair, quebrar a perna ou morrer durante o trajeto: “Ele não sabe fazer diferente”.

Dei risada, mas não duvidei. Também não sei fazer diferente um monte de coisa que, para os outros, soa estranho.

mania estanha

Supermercado, por exemplo. Só sei fazer supermercado sozinha, aliás, comigo mesma. Tem diferença? Tem. Enquanto eu pego os produtos, fico conversando – em voz média – com outra Jéssica que, claro, sou euzinha aqui, mas meu cérebro entende que é alguém que me acompanha, divide a euforia das promoções e as angústias da crise. E não adianta outra pessoa querer me fazer companhia. Fico nervosa se não dialogo – em voz média – comigo mesma diante das prateleiras…. Mania estranha, mas não sei fazer diferente.

Para viajar? Seja de carro, ônibus ou avião, o uniforme é o mesmo: calça confortável, camisa para suportar o frio e tênis ou sapatilhas. Ah, o brinco precisa ser pequeno e jamais coloco acessórios nos braços. Gostaria de dizer que é por conforto mesmo, mas é medo de ficar presa caso aconteça alguma tragédia. Tudo bem, se o avião cair, sei que não tem volta, mas não adianta. Não sei fazer diferente…

Também não sei chegar às 8h em nenhum compromisso. Marque 7h, 7h30, 8h30 ou 9h, mas não marque 8h. Não sei o que acontece, juro! Por sorte, meu médico compreendeu perfeitamente quando marcou uma cirurgia sete anos atrás para 8h30. Era melhor garantir, já que não consigo – de verdade – fazer diferente.

Tenho crise de riso quando fico nervosa. Só sei ler revistas de trás para frente. Na escola, só conseguia responder às provas do mesmo jeito. Segurar a mão do namorado com a minha mão direita? Um suplício! Música, só se for num volume em que consiga ouvir perfeitamente as outras pessoas. Lavar roupa, só cantando. Dormir, só do lado direito da cama. Rabada? Nunca experimentei, mas não gosto! Feijão com peixe? Não como, não combina!

Lendo assim, até parece que sou cheia de manias estranhas, mas, cá pra nós, deixar o cadarço desamarrado até chegar ao destino é demais! Não consigo. Não mesmo. Visualizo o tropeço só em pensar…

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira