07 de agosto de 2017

Em caso de despressurização no voo da vida, salve-se

Crônicas

Quando entramos num avião, somos lembrados de que “em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente,” devendo ser colocadas primeiramente em nós mesmos para, só depois, auxiliarmos quem está ao nosso lado.

Aparentemente, um plano de voo tão simples que nem damos a devida atenção, apenas rezamos – da origem ao destino – para que as benditas máscaras não caiam sobre nós.

Mas elas caem. Diariamente. Sem avisos, sem que as vejamos. Caem em todos os voos chamados “vida” e a regra de sobrevivência precisa continuar clara: “Em caso de despressurização, primeiro colocamos a nossa máscara. Depois, a dos outros”.

Eu demorei exatos oito anos, dois meses e seis dias para entender que não precisava ter colocado as máscaras de tanta gente antes da minha diante da “despressurização” que levou à morte do meu irmão. Tão acostumada a “ser exemplo”, achei que, naquele momento, tinha a obrigação de manter a calma e cuidar de todos para depois, quem sabe, cuidar de mim.

Mas não tinha. Nem que ser exemplo nem que priorizar a dor alheia, pois a dor, meus caros, é um sentimento solitário e a minha não era menor que a de ninguém.

em caso de despressurização

Não era menor que a dos meus pais, por terem perdido um filho; ou que a dos meus tios, por terem perdido um sobrinho. Tampouco era maior que a da minha cunhada, por ter perdido o então namorado; ou que a dos meus outros irmãos, por serem mais novos e terem convivido menos tempo com ele. Dores são dores e suas dimensões são incomparáveis.

Mas eu as comparei. E naquele momento, em vez de seguir as regras de sobrevivência, escolhi – sem qualquer dimensão – perder o meu ar aos pouquinhos para salvar uma tripulação inteira…

Fui perdendo o ar enquanto ficava acordada esperando minha mãe e os meus irmãos dormirem para, só então, pegar num sono de três, quatro horas e ter que me levantar para ir a um trabalho no qual as pessoas diziam que eu estava chegando atrasada por displicência. Afinal de contas, “oito dias é tempo mais que suficiente para retomar os trabalhos, pois perder um irmão não é como perder uma mãe”. Sim, eu tive que ouvir isso.

Fui perdendo o ar quando, ao chegar do trabalho, tinha a preocupação de ajudar na arrumação da mesa e de ter assuntos diversos para a hora tão difícil do almoço. A mesma mesa que meus irmãos e eu bagunçávamos – sem dó nem piedade – quando queríamos brincar de “casinha” na infância.  Era o nosso momento de união mais doce.

Fui perdendo o ar quando, em vez de dormir à tarde, resolvia ser fortaleza e ia organizar papéis, livros, roupas, arquivos digitais e inúmeros outros objetos do meu irmão. Quem já perdeu alguém querido sabe do que estou falando. Mexer em coisas pessoais, meus caros, é, de longe, a pior parte.

E, assim, fui perdendo o ar todas as vezes em que me achava forte e sufocava a minha dor na esperança ingênua de que ela sumisse… Só que a dor da perda nunca some. Assim como nós, ela muda de fase, percebe outras prioridades, amadurece e sai pra passear vestida com roupa leve, mas continua ciente da sua história.

O luto, por mais doloroso que seja, faz parte da vida. E essa vida continua. Sempre continua. O importante é viver a dor e ter ciência do peso dela em nosso coração, independente do peso que ela tenha para as outras pessoas.

Como diz a composição fantástica de Sérgio Britto, “Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração…”

Perder uma mãe ou um pai não dói mais ou menos. Perder um filho não dói mais ou menos. Perder um irmão, um namorado, um amigo ou qualquer outra pessoa especial não dói mais ou menos. Em caso de despressurização no voo da vida, apenas dói e nos falta ar.

E eu ainda perco o meu quando lembro que subestimei a minha dor e me guiei pela fortaleza que acreditava ser e não era. Aliás, ser fortaleza por fora num momento de dor só nos desmorona por dentro. Só nos tira o ar.

Por isso, em caso de despressurização, não ouse infringir a regra: salve-se primeiro. A tripulação inteira seguirá melhor assim.

 

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
29 de junho de 2017

Sobre estar disposto a ser quem você é de verdade

Crônicas

Era junho de 2014, mas lembro-me como se fosse hoje. No meio de uma discussão fervorosa no WhatsApp, um colega soltou as seguintes palavras sem a menor cerimônia: “Eu odeio esse seu jeito comunicativo e verdadeiro de ser. Não gosto mesmo e não estou disposto a gostar.”

Aquilo me paralisou e me deixou triste por uns três meses. Eu não conseguia responder um e-mail, uma mensagem, um telefonema sequer de forma natural. Bastava o telefone tocar que eu entrava em pânico. Pânico mesmo! Logo eu, a comunicação em pessoa…

Até que, num belo dia, cruzei com um amigo super querido que fez questão de me lembrar: “Nunca mais conversamos, né?! Amo ouvir suas histórias e ver esse seu jeito todo empolgado de contar as coisas. É tão você!”.

Como as palavras têm poder… 

Eu realmente sou – e sempre fui – essa pessoa comunicativa demais, que se empolga ao contar qualquer bobagem que me traga felicidade. E ser diferente estava me causando sofrimento… Assim, foi exatamente naquele encontro com o meu amigo que recobrei os sentidos e entendi que quem precisa estar disposto a gostar do nosso jeito de ser somos nós mesmos e mais ninguém!

estar disposto - crônica

Imagem: Shutterstock

Claro que, muitas vezes, a opinião do outro é importante, mas essa opinião deve servir para proporcionar novos olhares sobre a nossa verdadeira essência e não para nos moldar atendendo a uma necessidade que não é nossa.

Ser quem somos nunca é – e nunca será – um defeito. Não é algo que precisa ser mudado para agradar o outro ou fazê-lo ter disposição para estar ao nosso lado. Ser quem somos é o melhor que podemos oferecer. A nós mesmos e a quem queremos ao nosso lado.

Talvez, o carinha de três anos atrás nem tenha escrito aquelas palavras por mal ou também o meu amigo querido nem goste taaaanto assim do meu jeito de ser, vai saber… Mas não é isso o que importa. O importante mesmo é a possibilidade de cada um de nós se reconhecer naquilo que é de verdade, sem esforços, sem filtros, sem máscaras.

Se a sua timidez vem da alma, não há nada de errado em ficar com as bochechas vermelhas e se atrapalhar um pouquinho na hora de conversar com alguém. Se você não enxerga nenhum talento para repetir a coreografia de uma dança, saiba que não há qualquer problema em ter um ritmo só seu. Se pensar em cuidar de cachorros te dá uma aflição eterna, isso não faz de você um ser insensível. Se o seu silêncio for a resposta mais sincera que puder dar a alguém, tudo bem também… É só você sendo você, como sempre deve ser.

De resto, cada um que cuide – e se cure – das suas indisposições.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
24 de abril de 2017

Sobre festejar a vida como as crianças de cinco anos

Crônicas

Tenho um amigo que diz não saber onde arranjo tanta empolgação para comemorar o meu aniversário (que foi sábado, dia 22). “Só você e as crianças de cinco anos esperam tantos dias para um bolinho, umas velas e parabéns. Nunca vi!”, ele brinca.

Sinceramente? Acho essa comparação de um elogio incrível. Por mais que 28 anos nos separem no calendário (e nos séculos! hahaha), as crianças de cinco anos e eu acabamos nos encontrando – radiantes – na difícil tarefa de festejar a vida apesar de.

festejar a vida - foto em que minha mão direita aparece segurando seis balões num céu azul claro

Apesar de não podermos fazer tudo o que queremos, de não termos ganhado o presente dos sonhos, de não termos todos os coleguinhas reunidos, de termos nos machucado na véspera, de termos ficado em casa quando a vontade era de viajar para um lugar extraordinário, de não termos um irmãozinho ou um dos pais por perto… Apesar de qualquer coisa que possa nos entristecer, no dia do nosso aniversário acontece uma verdadeira mágica: festejamos!

Festejamos um dia todinho nosso, as ligações, os paparicos, os abraços apertados, os presentes e, óbvio, o bolo com as velas e os parabéns!!! Alguém consegue mesmo ser feliz sem isso? Nunca vi!

Mas, ao longo dos anos, também aprendemos a festejar a vida exatamente como ela é. Cheia de alegrias e comemorações, mas também cheia de tropeços e novas tentativas que começam a acontecer com todos um pouco depois das cinco primaveras… Viver é isso.

Viver é vai e vem. É sobe e desce. É estica e puxa. É cair e levantar para a próxima. E que graça teria passar por tantas turbulências sem festejar a vida? Pedindo saúde, amor, paz, prosperidade, viagens inesquecíveis, abraços apertados, presentes dados com carinho…

Definitivamente, chego aos 33 no time das crianças de cinco anos. E o meu maior desejo, de verdade, é conseguir acompanhá-las com essa empolgação até o fim, que eu espero demorar muito pra chegar, claro.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira