07 de outubro de 2015

Sobre ir e não vir: o expediente da insegurança que faz hora extra

Crônicas

O expediente da insegurança no Brasil começa antes mesmo do horário para bater o ponto e, ontem, nem o ponto se pode bater. Às seis da manhã todos os noticiários sergipanos anunciavam: Taís, uma jovem de 22 anos, havia sido assassinada enquanto se dirigia ao trabalho. Dentro de um ônibus.

Ficamos todos estarrecidos, mas seguimos – embora com mais medo – para os nossos afazeres. Até agora, não houve protesto, passeatas ou mobilizações. A violência virou assunto do cotidiano. Tão banal quanto passar um cartão na catraca.

expediente da insegurança

Imagem: Pinterest

Assim como a Taís, diariamente, morrem milhares nesse “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.” Que beleza, hein?! País esse onde Polícia e Justiça não se entendem. Não falam a mesma língua.

Enquanto a Constituição brasileira nos dá o direito de ir e vir, a realidade brasileira nos dá a responsabilidade da autoproteção atrás de grades e muros altos. Tudo, claro, pago do nosso bolso.

Assim, não é a liberdade que custa caro. É a prisão a que estamos nos submetendo para negligenciar uma obrigação que não, definitivamente, não é nossa!

Trabalhamos diariamente por um salário mínimo que é visto como suficiente  e, na hora de recebê-lo, temos que não só pensar em como gastá-lo, mas em como escondê-lo dos bandidos. Não bastasse esse absurdo, policiais/delegados/governantes dão entrevistas em jornais, rádios e TVs nos orientando a não sairmos com objetos que compramos com o nosso próprio dinheiro. Parece piada, mas não é.

Somos culpabilizados pelo nosso trabalho e dignidade, enquanto a brincadeira de “pega ladrão” ficou na infância de quem  realmente tinha que crescer e assumir suas responsabilidades. E o pior: nós nos sentimos culpados.

“Eu não deveria ter ido à padaria com o meu celular…”, “Por que fui correr com relógio?”, “Não poderia ter saído com a correntinha que a minha avó me deu…”, “Eu deveria ter saído com uma bolsa menor, chamaria menos a atenção…”.

E o direito que nos devem? Onde colocam? Numa nota de pesar?

Taís não chegou ao emprego e nunca mais voltará para casa. Assim como ela, muitos outros não voltarão e, acredite, um deles pode ser você, eu ou qualquer pessoa próxima. Sentado num banco de ônibus, carro, moto ou bicicleta. Em pé, esperando alguém ou contemplando a paisagem. Atrás das grades que criamos para nos proteger. Da liberdade.

Mas tem um detalhe: se grades resolvessem, estaríamos livres e o expediente garantido.

Jéssica Vieira
Jéssica Vieira
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